VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO
NO CONTEXTO FAMILIAR

UN3 - Intervindo junto às famílias que vivem e convivem com a violência



Esta unidade, que encerra os estudos do presente curso, tem como objetivo trazer um conjunto de subsídios para a prática da intervenção junto às famílias em situação de violência, para melhor qualificar a escuta profissional. As bases de referência de construção desta unidade se ancoram, necessariamente, nas unidades já apresentadas e que são trazidas à tona fundamentando os pressupostos-guias para a intervenção.

Assim, nosso intuito é fornecer parâmetros de reflexão e ação, além de apresentar instrumentos que auxiliem na melhor escuta da família, buscando seu protagonismo e a corresponsabilização de ações sob os princípios da ética; princípios estes que implicam, também, na responsabilidade profissional das possíveis consequências que geram as práticas de intervenção junto à família.

A NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO DOS PRESSUPOSTOS PROFISSIONAIS PARA O TRABALHO COM A VIOLÊNCIA FAMILIAR

Consideramos que este item é uma proposta de exercício pessoal-profissional muito importante e que exige das pessoas que trabalham com famílias em situação de violência um momento de parada e de reflexão, para poder identificar a partir de que parâmetros realizamos nossas escutas profissionais. Chamamos a atenção para um aspecto singular das práticas de atenção à saúde, na perspectiva dos profissionais que as realizam, que se assentam em demandas complexas, intensas, extenuantes e de atenção constante, em que está em jogo a condição de vida das pessoas acolhidas.

Em certas situações, os profissionais experimentam a sensação de serem “atropelados” ou “encapsulados” por elas, ou seja, de serem tomados pela prática em si, transformando-se em meros executantes. Essas vivências afetam diretamente a capacidade de reflexão profissional, no sentido de que para que ela possa ser desenvolvida “é necessário criar um espaço”, tanto junto à equipe da qual se faz parte, como em termos individuais, buscando desenvolver atividades nas quais seja possível recuperar as estratégias de enfrentamento profissional.

No contexto dessas colocações, e tendo como referência o trabalho de Moré (2014, p. 109), relacionado à Importância da escuta e a construção de redes significativas de apoio à família em situação de violência, gostaríamos de destacar como ponto de partida o que é intervenção familiar:

A intervenção familiar refere-se ao conjunto de ações profissionais de escuta da família, que visa influenciar o sistema familiar em seu contexto, na busca por encontrar soluções possíveis para enfrentar dilemas, crises ou conflitos que possam estar afetando a família.

Desta definição, destaca-se aqui a compreensão do aspecto de influenciar o sistema. Segundo a autora supramencionada, o ato de influenciar precisa, necessariamente, ser pensado e refletido pelos profissionais sob a égide dos seguintes aspectos:

a) a perspectiva de um conjunto de pressupostos teóricos nos quais se assentam o desenvolvimento de uma postura profissional diferenciada;

b) o reconhecimento de conhecimentos e reflexões necessárias para fundamentar as práticas;

c) a importância do planejamento, da organização e da escuta profissional no processo de intervenção familiar, de forma contextualizada e à luz dos processos de trabalhos dos profissionais envolvidos.

Assim, acredita-se que o reconhecimento da postura profissional, a reflexão e o conhecimento para fundamentar práticas e, a escuta qualificada à luz dos processos de trabalho, são aspectos fundamentais que sustentam a construção das ações profissionais e que, quando assentadas sob os princípios éticos, se imbricam de forma inseparável, para o melhor acolhimento e escuta da família.


REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA UMA POSTURA PROFISSIONAL DIFERENCIADA

É importante falarmos aqui da necessária tarefa, em termos institucionais, da educação continuada dos profissionais que atuam junto às famílias em situação de violência no contexto da atenção à saúde, em termos de uma sensibilização e instrumentalização para melhor acolher a família e seus integrantes, principalmente, para não cair na armadilha de revitimizá-los e assim sustentar o complô do silêncio que envolve o tema da violência familiar (RAVAZZOLA, 2005; MORÉ, 2014; FUSTER, 2002). É consenso entre os estudiosos de família e no contexto da produção científica de um modo geral, que o profissional de saúde, além de aprender novos conhecimentos e técnicas, precisa ter clareza de suas crenças e valores, de sua conduta ética e principalmente, questionar-se acerca do que pensa sobre violência e a sua tolerância ou sobre atos violentos.

É necessário estarmos cientes da realidade complexa e multifacetada que desafia cotidianamente os profissionais que trabalham em serviços de atenção à saúde e também das implicações da violência que, enquanto fenômeno, encontra no contexto familiar um campo de expressão máximo, deixando marcas imbricadas historicamente, visíveis ou invisíveis em todos os seus integrantes, sustentando dilemas humanos extremos (MORÉ, 2014). Isto, por sua vez, afeta decididamente o profissional e sua formação, colocando também em xeque o conjunto de crenças e valores que fundamentam sua história de vida em termos pessoais. Nesse sentido, é importante construir, em termos profissionais, recursos de enfrentamento, (FALTAVA PONTO NO PDF, ME PARECE UMA FRASE NAO TERMINADA)

O abuso sexual infanto-juvenil é um tipo de violência com os maiores índices de prevalência no Brasil e no mundo e, portanto, um problema de saúde pública. Assim, entendemos que é importanto os profissionais conhecerem e estarem atentos aos fatores relacionados à tomada de decisão diante dos casos que lhes chegam, de modo a estarem atentos e para poderem aperfeiçoar sua prática, que permitam uma diferenciação com nossa história pessoal.

Ao se ter como pano de fundo os conhecimentos apresentados na Unidade 1, considera-se importante apontar pressupostos de referências evidenciados por Moré (2014), que como fortes crenças profissionais, devem, necessariamente, estar presentes na postura profissional, permeando toda e qualquer reflexão, conhecimento ou ação, imprescindíveis para o enfrentamento dessa realidade humana, à luz dos contextos de intervenção.

Acredita-se que esses pressupostos, constituem-se em parâmetros de reflexão para o desenvolvimento de uma postura profissional diferenciada para a escuta da família e sua rede, em situação de violência, que, por sua vez, implicam a necessária ressignificação de saberes tradicionalmente presentes na formação profissional. Formação esta que por um lado sustenta uma postura assistencialista que retira a possibilidade do protagonismo dos envolvidos e, por outro, sustenta uma postura individualista de ação, fazendo perder a perspectiva da equipe. O trabalho em equipe, compreendido aqui como as múltiplas vozes que se somam para pensar ações junto às famílias em situação de violência, é uma condição primordial para a intervenção.


CONHECIMENTOS E REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA FUNDAMENTAR AS PRÁTICAS

Sem o intuito de esgotar a diversidade de conhecimentos sobre a intervenção em situações de violência familiar, parte-se do reconhecimento da extensa produção científica relacionada à temática vinda dos diferentes campos do saber, tanto no âmbito internacional como nacional. Destaca-se desses estudos, sobretudo, os fatores potencialmente de risco e potencialmente de proteção, presentes em nível individual, relacional, comunitário e social.

Coaduna-se aqui a perspectiva sistêmico-ecológica da família e da temática da violência, a qual sustenta um olhar interdisciplinar, que permite reconhecer e pensar na interação complexa de fatores que se afetam mutuamente. Assim, nesse item, trazemos elementos importantes tanto para o planejamento e a organização como para a intervenção familiar, advindos dos diversos olhares do conhecimento, que se somam para pensar a família e a repercussão da violência nesse sistema. Nesse contexto, Moré (2014) destaca conhecimentos importantes, advindos da terapia familiar e da teoria da comunicação, considerados necessários para sustentar a intervenção na violência familiar:

A violência familiar se sustenta, pois a família enrijece suas fronteiras enquanto sistema dinâmico, gerando o isolamento ou afastamento social. Este enrijecimento se ancora em sentimentos de vergonha e impotência, tendo como resultado, o silêncio, o medo e o sentimento da impossibilidade de encontrar uma solução para a situação de violência.

A violência familiar é produto de um processo histórico que se sustenta no tempo através de um circuito de relações entre os membros das famílias que possibilita a repetição de condutas violentas, no qual os participantes têm papéis definidos que alimentam a rigidez do sistema familiar. Assim, a capacidade de articulação com outros sistemas fica totalmente comprometida, afetando diretamente sua capacidade de procurar ajuda.

A violência familiar se sustenta pela presença de sistemas hierárquicos ou autoritários na família, que justificam ações ou agressões, gerando opressão e as consequências a ela relacionadas. Também pela presença de sistemas de gênero, fortemente enraizados na identidade de uma cultura, que funcionam como argumentos explicativos que naturalizam e justificam a violência, neutralizando possibilidades de se insurgir contra ela (RAVAZZOLA, 2005).

A violência familiar é testemunhada por pessoas para além da família e que podem vir a constituir redes sociais significativas, em termos de sua proximidade, e as redes comunitárias e institucionais, em termos de suporte social. Elas têm um papel essencial, na medida em que atuam como controle e possibilidade de intervir nas situações de violência familiar. Por sua vez, as ações de prevenção à violência têm como contexto fundamental as redes constituídas em torno da família.

A violência familiar se sustenta num silêncio co-construído pelos seus integrantes. Esse silêncio é autoimposto e implica a presença de um sentimento de humilhação social, tendo como consequência o isolamento familiar.

Associado a isto, cabe aqui mencionar, que com a interferência no silêncio do sistema familiar que apresenta violência, seja através da mudança de papéis de seus integrantes, seja através do questionamento das crenças a respeito da violência, ou ainda pelo reconhecimento efetivo de ajuda que as redes podem aportar, estar-se-á interferindo num processo histórico que alimenta um circuito de violência na família, acolhendo e dando voz a seus integrantes, gerando outras possibilidades de compreender e vivenciar o problema, não somente para os que sofrem a violência, como também para aqueles que a perpetram (RAVAZZOLA, 2005; MORÉ, 2014).

Consideramos relevante assinalar, ainda que brevemente, outro aspecto importante que perpassa toda a temática da violência e está também presente no contexto da atenção básica da saúde, que é o papel da Justiça. Trazemos aqui a contribuição de autoras como Liana Costa, Maria Aparecida Penso, Maria Inês Conceição (2014), que desde a perspectiva jurídica, nos chamam a atenção sobre o papel da Justiça junto às famílias em situação de violência, quando afirmam que colocar a família sob a égide da justiça não implica controle policial, e sim, a possibilidade da garantia dos direitos humanos a todos os integrantes do sistema familiar, gerando um contexto possível de reconhecimento ou instauração da demanda por ajuda.

Assim, as questões do privado (família ou violência) e do público (justiça, saúde e comunitário) levantam uma série de aspectos que precisam ser refletidos e qualificados no contexto das intervenções profissionais, quando acionamos alguma dessas instâncias. Isto auxilia de maneira a evitar os temores da família com relação à rede institucional, pois quando não é tido em conta, o seu impacto e repercussão, geram um maior enrijecimento do sistema familiar e, por consequência, uma revitimização da família (MORÉ, 2014).

O PLANEJAMENTO E A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL NO PROCESSO DE INTERVENÇÃO FAMILIAR

Neste item, chamamos especialmente a atenção para o planejamento e organização da intervenção, pois é um aspecto que na maioria das vezes é absorvido pela rotina da urgência das demandas. Conforme aponta Moré (2014), as questões do planejamento e organização de intervenção familiar no contexto de suas redes significativas e de suporte social, são transversais a qualquer modalidade de intervenção que possa vir a ser desenvolvida, sendo que, sempre o profissional envolvido estará atento às modificações necessárias para melhor se adequar às suas realidades de atuação.

Por isso, consideramos fundamental que frente à intervenção junto a uma família em situação de violência, devemos estar atentos aos seguintes aspectos: A falta de planejamento e organização prévia à intervenção constitui-se numa armadilha grave, tanto para o profissional que fica a mercê das demandas complexas e difíceis, como para a família, a qual poderá vir a sofrer um processo de reprodução da mesma dinâmica relacional familiar denominada de “confiança ambígua”. A “confiança ambígua” ocorre, na medida em que a função e proteção/cuidados e a ação de agressão/desproteção se fundem na mesma pessoa, gerando total ambivalência em qualquer proposta relacional. Essa falta de “confiança no outro”, alimenta e mantém tanto o circuito da violência na família, como o complô do silêncio, revitimizando todos os seus integrantes.

Nesse sentido, é fundamental tentar acolher, planejar e organizar o que é possível, dentro dos recursos tanto pessoais e profissionais dos envolvidos, como dos recursos do sistema de saúde, do sistema psicossocial e do sistema da justiça, buscando articular e realizar intervenções possíveis de serem levadas a cabo. Destaca-se que, ir além dessas ações implica a construção e sustentação de uma “trama de violência” à qual ficam sujeitados todos os envolvidos (autor da violência-pessoa/família em situação de violência e profissional/instituição).

Por isso, consideramos fundamental que frente à intervenção junto a uma família em situação de violência, devemos estar atentos a falta de planejamento e organização prévia à intervenção constitui-se numa armadilha grave, tanto para o profissional que fica a mercê das demandas complexas e difíceis, como para a família, a qual poderá vir a sofrer um processo de reprodução da mesma dinâmica relacional familiar denominada de “confiança ambígua”. A “confiança ambígua” ocorre, na medida em que a função e proteção/cuidados e a ação de agressão/desproteção se fundem na mesma pessoa, gerando total ambivalência em qualquer proposta relacional. Essa falta de “confiança no outro”, alimenta e mantém tanto o circuito da violência na família, como o complô do silêncio, revitimizando todos os seus integrantes. 

Nesse sentido, é fundamental tentar acolher, planejar e organizar o que é possível, dentro dos recursos tanto pessoais e profissionais dos envolvidos, como dos recursos do sistema de saúde, do sistema psicossocial e do sistema da justiça, buscando articular e realizar intervenções possíveis de serem levadas a cabo. Destaca-se que, ir além dessas ações implica a construção e sustentação de uma “trama de violência” à qual ficam sujeitados todos os envolvidos (autor da violência-pessoa/família em situação de violência e profissional/instituição).

A importância do planejamento reside também na possibilidade de:

A INTERVENÇÃO FAMILIAR: ASPECTOS NECESSÁRIOS PARA UMA ESCUTA QUALIFICADA

Nesta seção, gostaríamos de destacar as ressonâncias da intervenção profissional, a qual pode gerar tanto no indivíduo, como na família e sua história relacional, experiências positivas quanto negativas, ocasionando os mais variados efeitos nos seus participantes. Nesse sentido, destacamos um conjunto de aspectos necessários para melhor sistematizar a escuta profissional na perspectiva de um trabalho comunitário apresentado por Moré e Macedo (2006). Os aspectos que serão mencionados a seguir contribuem para provocar reflexões iniciais em torno do trabalho comunitário com famílias em situação de violência. É pertinente apontar que junto a eles podem e devem ser somados outros, dependo das características da família, da equipe e do contexto sociocultural em que estão inseridas.

COM RELAÇÃO À COMUNIDADE E SEUS RECURSOS, DEVE-SE CONSIDERAR:

Com relação à comunidade e seus recursos, deve-se considerar:
a) qual o contexto de moradia da família;
b) tempo na comunidade;
c) identificar se são famílias migrantes;
d) quais os recursos comunitários em termos de Unidades Locais da Saúde, Equipes da Estratégia de Saúde da Família, Escolas, Centros comunitários, ONGs, etc. Estes dados permitem visualizar, por sua vez, os diferentes níveis de vulnerabilidade sócio-comunitária a que a família está exposta, assim como, encontrar interlocutores e aliados para nossa intervenção e espaços estratégicos de inserção da família e escuta para além do sistema de saúde.

Com relação à demanda de intervenção familiar:
a) quem criou o problema ou fez o encaminhamento.
Aqui é importante escutar a pessoa ou profissional que está levantando a demanda, no sentido de melhor discriminar a sua leitura sobre ela. Lembremos que sempre estamos realizando uma interpretação da demanda original.

Acreditamos que o entendimento destes itens auxilia o profissional a não se converter num simples executante de ações, sendo importante o reconhecimento de que a demanda, na maioria das vezes, não é criada pela família, é uma demanda que geralmente é de fora do sistema familiar violento, o qual exige uma atenção especial no processo de aproximação da família.

Com relação à família e suas redes:
a) identificar o ciclo vital em que a família se encontra e o ciclo vital de seus integrantes;
b) mapear as redes, seja na família atual, na família extensa ou vizinhos que podem vir a conhecer o problema da família. Por sua vez, considera-se importante o reconhecimento dos diferentes ciclos que a família atravessa, sendo que cada novo ciclo representa uma ameaça à sua organização, assim como qualquer mudança na sua configuração (como, por exemplo, a saída de membros) interfere decididamente na dinâmica familiar. Conforme apresentado na Unidade 1, o convívio num mesmo sistema familiar em diferentes fases do ciclo de desenvolvimento aumenta a fragilidade da família, principalmente afetando seus fatores potencialmente protetores.

Com relação à rede institucional e seus recursos:
a) a família já foi atendida em outros níveis de atenção à saúde ou de atenção psicossocial ou até de denúncia policial?
b) qual a experiência da família (ou seus representantes) de acolhimento nesses diferentes sistemas de apoio? Sentiu-se acolhida?
c) qual foi o comportamento da família?
d) quem são os interlocutores a que a família esteve exposta?
e) quais são os serviços de apoio possíveis de acolhimento das famílias para propor alguma intervenção específica?

Esses aspectos são trazidos com ênfase especial, pois observamos que muitas vezes, equipes expostas em seu cotidiano a demandas intensas e complexas não reconhecem ou não sabem as possibilidades e potencialidades de seu próprio contexto de atuação, afetando diretamente seu processo de trabalho, o que gera ações fragmentadas ou isoladas.

Entende-se que o esforço pela busca da articulação das famílias e suas redes significativas, com a comunidade e redes suporte institucional é um processo de trabalho permanente e que depende diretamente da postura diferenciada do profissional, mais do que da Instituição com sua trama complexa. A sensibilização dos profissionais para uma postura de trabalho em rede constitui-se em um caminho fundamental, possível e efetivo, tanto de acolhimento e cuidado, como de prevenção da violência na família.


OS INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO QUE FAVORECEM O TRABALHO DAS EQUIPES DE SAÚDE NO ACOLHIMENTO DAS FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Neste último item, apresentamos como possibilidades de intervenção, dois instrumentos utilizados no contexto da terapia familiar: o Genograma e o Mapa de Redes. A apresentação desses instrumentos é com o intuito de aumentar o leque de possibilidade de acessar as informações da família e também criar pontos de convergência de informações em comum para toda a equipe envolvida.

O Genograma e o Mapa de Redes são instrumentos utilizados por profissionais da saúde em diferentes níveis da saúde.

Os dados da família, recolhidos através dos referidos instrumentos, permitem diálogos interdisciplinares fundamentais para qualquer intervenção, principalmente para a distribuição do acolhimento e responsabilidade pelo cuidado da família em situação de violência.

Eles se constituem numa espécie de “radiografia da história relacional da família, em termos de vínculos afetivos, através das gerações”, como no caso do Genograma, e uma “radiografia das redes pessoais significativas e redes institucionais constituídas ou configuradas em torno da família”, tal o caso do Mapa de Redes. Os dois instrumentos em seu conjunto reúnem informações estratégicas para uma melhor intervenção junto às famílias, que demandam atenção profissional.

Cabe salientar que esses dois instrumentos podem ser construídos tanto com as famílias atendidas, como também pela própria equipe a partir das informações de seus diferentes integrantes.


GENOGRAMA

Em termos históricos é interessante apontar que a utilização do Genograma no contexto sistêmico familiar remete a Murray Bowen (1991), através de seus estudos de árvores genealógicas de famílias americanas que abarcavam um período de 100 a 300 anos. Segundo Andolfi (2003), a partir de seus estudos, evidenciou o processo de transmissão de características familiares de uma geração para a outra, e como é possível focalizar e estudar diversos fenômenos humanos através da perspectiva intergeracional.

Seguindo essa perspectiva, Andolfi (2003) define e descreve o genograma diferenciando-o do que anteriormente se conhecia como árvore genealógica.

Afirma que a árvore genealógica tem como principal característica a de ser utilizada no contexto da anamnese médica e centraliza-se nos fatores hereditários ou etiopatogênicos. Já no que diz respeito ao genograma, o autor o define como uma rede ampla de pessoas e eventos, cujo acesso às informações pode ir além de nomes, considerando-se, ainda, a idade de todos os membros de uma família, dos dados de acontecimentos específicos significativos (nascimento, casamento, separações, mortes, etc) e, de outros eventos de relevância particular, focalizando principalmente a “história afetiva dos indivíduos privilegiando a ativação do sistema de memória emotiva e imaginativa” (ANDOLFI, 2003, p. 134).

Seguindo essa perspectiva, Andolfi (2003) define e descreve o genograma diferenciando-o do que anteriormente se conhecia como árvore genealógica. Afirma que a árvore genealógica tem como principal característica a de ser utilizada no contexto da anamnese médica e centraliza-se nos fatores hereditários ou etiopatogênicos. Já no que diz respeito ao genograma, o autor o define como uma rede ampla de pessoas e eventos, cujo acesso às informações pode ir além de nomes, considerando-se, ainda, a idade de todos os membros de uma família, dos dados de acontecimentos específicos significativos (nascimento, casamento, separações, mortes, etc) e, de outros eventos de relevância particular, focalizando principalmente a “história afetiva dos indivíduos privilegiando a ativação do sistema de memória emotiva e imaginativa” (ANDOLFI, 2003, p. 134).

Considera-se que essa compreensão do Genograma, como possibilidade de resgate da história afetiva dos vínculos, constitui-se numa ponte importante para acessar a família. Isto pode ocorrer na medida em que é possível, tanto junto à família ou algum de seus representantes, quanto com as informações acumuladas pela equipe, realizar uma reconstrução histórica de determinados eventos que se sustentaram ou continuam a se sustentar, em torno dos vínculos afetivos, das emoções e dos registros que permanecem na memória dos participantes de um sistema familiar, permitindo, assim, ter acesso efetivo à dinâmica deste sistema (CREPALDI; MORÉ; WENDT, 2014). Segundo essas autoras, o Genograma permite:

Enquanto modelo gráfico, conhecer as informações da família e seus padrões relacionais complexos que permeiam esse sistema. Isto auxilia a pensar em hipóteses sobre os problemas familiares, nesse caso a violência, e relacioná-lo com o contexto e outros problemas que fazem/fizeram parte da história da família ao longo do tempo, a partir de uma análise intergeracional.

Possibilita entrar em contato com as crenças presentes na família, as quais são transmitidas ao longo das gerações e podem ser responsáveis pela formação ou ruptura de vínculos entre os membros, desvelando, em certo sentido, o funcionamento e a dinâmica da família em tempo presente.

Com base nas contribuições de autores de referência no assunto (BOWEN, 1979/1991; CARTER; MCGOLDRICK, 1995; MINUCHIN, 1982; WATZLAWICK; WENDT; CREPALDI, 2008), consideramos importante apresentar a seguir, definições de diferentes tipos de relacionamentos familiares, que podem ser visualizados no Genograma e se constituírem numa linguagem comum para a equipe:

a)

Relacionamento harmônico: experiência emocional entre membros da família em que há presença de sentimentos positivos e reciprocidade relacionada aos interesses, atitudes e valores que possuem.

b)

Relacionamento muito estreito ou superenvolvimento: caracteriza-se pelo relacionamento em que há dependência emocional entre os membros da família e em que não há diferenciação.

c)

Relacionamento fundido ou conflitual: relacionamentos em que existe dependência emocional entre os membros e conflitos constantes.

d)

Aliança: ligação de lealdade invisível que interfere no processo de diferenciação.

e)

Relacionamento conflituoso: este tipo de relacionamento está presente nos episódios de violência familiar. É caracterizado por conflitos constantes que geram ansiedade. Existe a desqualificação e desconfirmação do outro (violência psicológica) podendo progredir para a violência física.

f)

Relacionamento vulnerável: neste tipo de relacionamento não há um conflito explícito, mas podem existir conflitos em condições adversas ou nas fases de transição (casamento, gravidez, divórcio).

g)

Relacionamento distante: ocorre em famílias com fronteiras rígidas, em que não há proximidade física e, sobretudo, emocional entre os membros.

h)

Rompimento: existe ligação emocional entre os membros, embora não haja contato entre eles.

i)

Triangulação: relação existente entre três pessoas, em que uma delas regula a tensão e os conflitos existentes entre as outras duas.

j)

Coalizão: aliança que duas pessoas estabelecem contra uma terceira.

Também, e com o intuito de melhor apropriação deste instrumento, apresentamos em continuação a Figura 4 que se refere ao conjunto de símbolos associados ao Genograma, reconhecidos internacionalmente pelos que trabalham com família.

Tendo como referência as informações acima, apresentamos, na sequência, a Figura 5, referente ao Genograma básico de três gerações (avós, filhos, netos), sobre o qual podem ser inscritos os símbolos do Genograma e tipos de relacionamento, conforme informações da família acolhida.

No trabalho com famílias em situação de violência, é possível que o profissional se depare diariamente com os diferentes tipos de relacionamentos apresentados.

A identificação do tipo de relação que é estabelecida entre os integrantes do sistema familiar contribui para a melhor compreensão da dinâmica de violência e para desenvolver uma intervenção baseada nas peculiaridades e possibilidades de mudança nos relacionamentos familiares, visando à saúde de seus integrantes.

MAPA DE REDES

O segundo instrumento proposto neste tópico refere-se ao Mapa de Redes, instrumento este, proposto por Carlos Eduardo Sluzki, psiquiatra e terapeuta familiar. Antes de iniciarmos com a descrição e especificação do instrumento, diante da diversidade de conceitos em torno das “Redes”, entendemos ser necessário esclarecer o conceito que nos propomos a utilizar neste curso. Assim, utilizaremos aqui o conceito de redes sociais significativas e de suporte social.

As redes sociais são formadas por todas as relações consideradas significativas, diferenciadas das demais e que são capazes de oferecer ajuda e apoio em momentos de crise. A rede social de um indivíduo é uma das chaves centrais para o bem estar, pois influencia no cuidado com a saúde e na adaptação às situações de crise (SlU-ZKI, 1997).

Fazem parte dessa rede a família, os amigos, os colegas de trabalho ou estudo e a comunidade, incluindo os serviços de saúde e assistenciais, vizinhos e pessoas do credo religioso, que proporcionam ajuda e apoio capazes de diminuir os efeitos de uma situação de crise. A ajuda recebida pelas pessoas da rede faz com que o indivíduo tenha o sentimento de pertencer a um grupo, fortalece a autoestima, dá sentido à vida, melhora a capacidade de adaptação e a qualidade dos relacionamentos (MORÉ; CREPALDI, 2012; SLUZKI, 1997).

Por sua vez, o suporte social pode ser definido pelo apoio fornecido aos indivíduos, por meio do conjunto de suas relações sociais institucionais ou comunitárias que oferecem apoio e proteção, reduzindo os efeitos físicos e psicológicos de eventos estressantes (como nos casos de violência na família).

As ações oferecidas por meio do suporte social, presente nas instituições e organizações formais, contribuem para satisfazer algumas necessidades do indivíduo, seja ela de afeto, estima, identidade, reconhecimento, pertencimento e segurança.

Para que ocorra o suporte social entre profissionais e usuários de uma instituição, a exemplo das unidades básicas de saúde, hospitais, delegacias, instituto médico legal, centros de referência, é preciso levar em consideração a qualidade e a forma de relacionamento, pois estes são fatores determinantes para o sentimento de proteção e acolhimento (CAMPOS, 2005; ORNELAS, 2008).

Assim, tanto as redes sociais significativas, quanto o suporte social, tornam-se um recurso importante na intervenção com famílias em situação de violência. As pessoas que compõem as redes podem ser visualizadas a partir da construção de um mapa mínimo, chamado Mapa de Redes. Ele é um registro estático de um determinado momento da vida de uma pessoa; trata-se, conforme mencionamos anteriormente, de uma “espécie de radiografia” das Redes, que mostra a trama relacional configurada em torno de uma situação de violência familiar, objeto de estudo deste curso.

O Mapa de Redes, proposto por Sluzki (1997), possibilita identificar o grau de intimidade e compromisso relacional das pessoas que compõem a rede social significativa das famílias.

Com relação à sua composição, o Mapa de Redes possui três círculos e quatro quadrantes. O círculo interno representa as relações íntimas ou cotidianas, O círculo intermediário referese às relações com menor grau de intimidade, com contato pessoal/ social. E o círculo externo corresponde às relações ocasionais ou com conhecidos. Os quatro quadrantes do Mapa de Redes são representados pela família, amizades, relações comunitárias e relações de trabalho ou estudo.

A seguir, apresenta-se o modelo de Mapa de Redes proposto por Sluzki (1997):

A utilização do Mapa de Redes como um recurso gráfico permite identificar e avaliar a rede social significativa a partir de suas características estruturais, que se referem às propriedades da rede em seu conjunto; das funções dos vínculos, caracterizadas pelo tipo de interação entre a pessoa e os indivíduos que compõem a sua rede, podendo ser um vínculo específico ou uma combinação de vínculos; e por fim, a partir dos atributos do vínculo, sendo estes marcados pelas propriedades específicas de cada relação (SLUZKI, 1997).

Em termos de intervenção, gostaríamos de destacar as funções dos vínculos das pessoas que integram um Mapa de Redes. As funções podem ser de:

a) companhia social, que diz respeito à realização de atividades conjuntas ou simplesmente estar juntos;

b) apoio emocional, caracterizado pelos intercâmbios com uma atitude emocional positiva, clima de compreensão e empatia;

c) guia cognitivo e de conselho, que consiste na oferta de informações pessoais, sociais e modelos de referência;

d) regulação social, que, por sua vez, reafirma as responsabilidades e os papéis, além de favorecem a resolução de conflitos;

e) ajuda material ou de serviços, caracterizada pela contribuição financeira ou por meio de indicações a serviços com especialistas;

f) acesso a novos contatos, que diz respeito à abertura de portas para novas conexões com pessoas e redes que até então não faziam parte da rede do indivíduo/família (SLUZKI, 1997).

Consideramos que a proposta dessas seis funções tem o sentido de auxiliar na organização da escuta e de sermos mais estratégicos, nas possíveis alianças que podemos construir para delinear uma estratégia de intervenção junto às famílias que demandam nossa atenção. Também, cada vínculo estabelecido com as pessoas das redes possui atributos, sendo esses:
a(s) função(s) predominante(s) do vínculo, ou seja, qual ou quais funções são predominantes neste vínculo;
multidemensionalidade, isto é, quantas funções a pessoa desempenha;
reciprocidade, quer dizer, se a pessoa desempenha as mesmas funções que recebe de sua rede;
intensidade, que caracteriza o grau de compromisso da relação;
frequência dos contatos, que se caracteriza o número de vezes que as pessoas entram em contato umas com as outras;
história da relação, destacando desde quando as pessoas se conhecem e o que estimula a manutenção da relação (SLUZKI, 1997).

Assim, as pessoas que configuram o Mapa de Rede, de famílias ou de seus integrantes, desempenham diferentes tipos de funções que se assentam na história dos vínculos construídos, ao longo do ciclo vital da família. Essas pessoas podem se tornar aliadas importantes nos processos de intervenção profissional, visando o cuidado com a família que vivencia uma situação de violência (MORÉ; CREPALDI, 2012; SLUZKI, 1997).

Nesse momento gostaríamos de chamar a atenção para que os dados obtidos a partir da utilização destes instrumentos sejam utilizados como dados complementares, que precisam ser integrados àqueles que sempre emergem dos diferentes integrantes de uma equipe quando analisamos alguma situação.

Seria uma armadilha profissional, em termos de intervenção, utilizar dados do Genograma ou do Mapa de Redes, por exemplo, de forma linear. Ou seja, se foi identificada uma situação de violência na família de origem, isto não significa, necessariamente, que haverá violência na família atual; assim como se o Mapa de Redes evidencia uma ruptura das redes sociais significativas, não necessariamente significa que a família ou integrantes apontados na rede tenha dificuldades de construir vínculos. Esses instrumentos, que exigem um tempo para sua apropriação por parte da equipe, fornecem dados que, de forma efetiva podem auxiliar a sermos mais estratégicos e cuidadosos, no planejamento, na organização de ações e na intervenção propriamente dita, junto às famílias em situação de violência.

Em termos de conclusão desta unidade, chamamos a atenção para o cuidado ético que devemos ter em toda intervenção, propondo diálogos interdisciplinares, no sentido de “saber escutar e respeitar a posição do outro”, e não utilizar os conhecimentos adquiridos de forma linear ou direta, pois aqui incorremos no perigo de rotular, atropelar e por consequência violentar as famílias acolhidas.


RESUMO DA UNIDADE


Sem esgotar as possibilidades de intervenção junto às famílias em situação de violência, a partir das mais diversas disciplinas e propostas teóricas diferentes, que se coadunam em torno desta temática, fizemos a opção de apresentar, nesta unidade, um tripé importante de sustento para o trabalho profissional:
1) o necessário reconhecimento da postura profissional, enquanto crenças relacionadas à violência e à família;
2) aspectos importantes a serem considerados para o melhor planejamento e organização do processo de trabalho, junto às famílias em situação de violência,
3) sensibilização sobre conhecimentos necessários para uma escuta profissional contextualizadas às realidades da família, do contexto e dos recursos disponíveis pela equipe.
Associado ao mencionado tripé de intervenção, apresentamos instrumentos, o Genograma e o Mapa de Redes, que dimensionam o trabalho trazendo novos ângulos, tanto para realizar novos questionamentos, como para o cuidado necessário na sua utilização na prática.