Nesta unidade você é convidado a refletir sobre as crenças que dificultam a abordagem da temática da violência, bem como identificar na sua prática diária os sinais e sintomas dela em homens e mulheres.
SINAIS E SINTOMAS DE VIOLÊNCIA
Inicialmente, é importante ressaltar que algumas crenças dos profissionais de saúde podem dificultar a abordagem da temática da violência entre parceiros íntimos durante os atendimentos realizados. A seguir listamos algumas destas crenças, tendo como base um trabalho de Ellsberb (1998. InSchraiber e d’Oliveira, 2003).
Como profissional de saúde você está convidado a refletir sobre as suas crenças com relação à violência e a como estas influenciam a sua prática. Estas reflexões precisam ser realizadas por todos os profissionais da equipe da Atenção Básica, a fim de que esta esteja preparada para acolher as pessoas em situação de violências.
A violência está presente nas relações entre homens e mulheres muitas vezes como forma de comunicação e de relação interpessoal (MINAYO, 2006). Reconhecer os sinais e sintomas desta nos processos de atenção desenvolvidos na Atenção Básica é um desafio, tendo em vista o contexto múltiplo da violência, que gera dificuldade muitas vezes de busca de ajuda pela própria pessoa em situação de violência.
Também é importante salientar que na violência entre parceiros íntimos as mulheres têm dificuldade de relatar os atos de violência sofridos. Elenca-se adiante algumas explicações de Schraiber e d´ Oliveira (2003) a partir de tradução e adaptação de Ellsberg (1998) para este fato que precisa ser reconhecido pelos profissionais de saúde em seus atendimentos:
Ela sente-se envergonhada ou humilhada.
Tem medo de ser culpada pela violência.
Teme pela sua segurança pessoal e pela segurança de seus filhos e filhas.
Teve más experiências no passado quando contou sua situação.
Sente que não tem controle sobre o que acontece na sua vida.
Espera que o agressor mude como ele prometeu.
Crê que suas lesões e problemas não são importantes.
Tem medo de perder seus filhos e filhas.
O agressor a acompanha ao serviço e não a deixa só com os profissionais.
Ela sente-se culpada pela violência.
Entre os homens gays e seus parceiros íntimos também está presente a vergonha de um dos polos do casal relatar que sofre violência.
Compreender os obstáculos que se colocam para a superação da violência amplia as possibilidades de cuidado. As pessoas em situação de violência precisam reconhecer, na equipe de saúde, uma porta aberta para o acolhimento e a atenção aos seus agravos.
Na violência sofrida, as mulheres trazem alguns sinais e sintomas de natureza física e mental recorrentes, que acabam muitas vezes não identificados nos serviços de saúde como alerta para investigação de violências.
D´Oliveira et al (2009) apontam alguns destes sintomas e sinais que podem ser observados pelos profissionais de saúde, no intuito de identificar possíveis situações de violências não declaradas em um primeiro momento.
Ressalta-se que estas situações de violência repercutem na saúde da mulher e no sistema de saúde, levando ao aumento da procura dos serviços e à baixa resolutividade, por estarem mascarados por outros quadros físicos e psicológicos.
A queixa mais apresentada pelas mulheres que sofrem violência é a dor crônica em qualquer parte do corpo ou mesmo sem localização precisa (BRASIl, 2001). É a dor que não tem nome ou lugar!
Krug et al (2002) investigaram as consequências da violência na saúde e concluíram que os efeitos da violência podem persistir muito tempo após esta ter cessado, sendo que quanto mais severa a violência, maior o impacto sobre a saúde física e mental da mulher. Também afirmam que o impacto de diferentes tipos de violência e de vários episódios parecem ter efeito cumulativo. Roberts et al (2006) concordam afirmando que a violência entre parceiros íntimos será mais bem compreendida se a visualizarmos como uma síndrome crônica, tamanho é o impacto sobre a saúde de quem as sofre.
Observe na figura a seguir adaptada de Holtz (1996) por Schraiber e d´Oliveira (2003) a associação dos sintomas de violência contra a mulher e a repercussão disso nos serviços de saúde.
O quadro a seguir mostra as consequências negativas à saúde da mulher associadas à exposição dessas situações de violência.
É fundamental o entendimento da relação que se estabelece entre o fato das mulheres serem as maiores vítimas de violência por parceiro íntimo e a construção social da identidade de gênero do homem. Kaufman (1999) procura mostrar em “Os sete ‘Ps’ da violência dos homens” como é construída a violência de homens contra mulheres e contra outros homens. Os sete Ps são:
Poder patriarcal: sociedades dominadas por homens são estruturadas na hierarquia e violência de homens sobre mulheres e também sobre outros homens e na ‘autoviolência’, constituindo um ambiente que tem como principal função a manutenção do poder da população masculina.
Permissão: a violência contra a mulher é abertamente permitida e até estimulada pelos costumes sociais, códigos penais e por algumas religiões. Do mesmo modo, a violência de homens contra outros homens é não apenas permitida, como também celebrada e banalizada em filmes, esportes e na literatura.
Privilégios: as violências cometidas pelos homens não acontecem apenas devido às desigualdades de poder, mas também, a uma crença de merecimento de privilégios que devem ser concedidos pelas mulheres.
Experiências passadas: o fato de muitos homens crescerem observando atos de violência realizados por outros homens – muitas vezes seus pais – pode caracterizar tais situações como a norma a ser seguida.
Paradoxo do poder masculino: para desenvolver seus poderes individuais e sociais, os homens constroem armaduras que os isolam do contato afetivo com o próximo e da arena do cuidado e da saúde,seja para outros ou para ele mesmo.
Pressão psíquica: os homens são educados desde a infância a não experienciar ou expressar emoções e sentimentos como medo, dor e carinho. A raiva, por outro lado, é uma das poucas emoções permitidas e, assim, outras emoções são canalizadas por esse canal.
Armadura psicológica da masculinidade: constituída a partir da negação e rejeição de qualquer aspecto que possa parecer feminino.
Nas palavras de Bronz (2005, p. 13) “[...] é impossível compreender toda a complexidade da problemática da violência contra a mulher se pensarmos nos homens somente como indivíduos abusivos em seu poder e violentos.”
Nos casos de violências sofridas pelos homens, a identificação pelos profissionais de saúde é mais difícil do que nos casos das sofridas pelas mulheres, por existir a dificuldade adicional de estes não serem considerados como potenciais sofredores de agressão, em função das concepções de gênero presentes na sociedade, que conferem uma situação de subordinação e dominação das mulheres pelos homens.
O código de virilidade imposto pela cultura faz do homem o principal agressor em nossa sociedade em mais de 85% dos casos, seja na violência contra a mulher (93,4%), seja na violência contra outros homens (85,9%), (SCHRAIBER, 2012).
Os processos de socialização têm o potencial de envolver os homens em situações de violência. A agressividade está associada ao sexo masculino e, em boa parte, ao uso abusivo de álcool, drogas ilícitas, e ao acesso a armas de fogo.
No Brasil o Instituto Promundo, uma organização não governamental, que tem objetivo de promover a equidade de gêneros e o fim da violência através de discussões concomitantes sobre masculinidades e feminilidades, construiu um mapeamento das políticas públicas que visam promover a equidade de gênero, analisando de que modo essas políticas incluem os homens e as discussões sobre masculinidades.
Na perspectiva de gênero, os homens, para manterem o papel de dominação, submetem-se a exigências como meio de sustentarem o seu papel de masculinidade definido hoje pela sociedade.
Para a equipe de saúde é importante saber que trabalhar a violência do ponto de vista da masculinidade implica a discussão e produção de conhecimento a respeito dos papéis sociais do homem na família e na sociedade, revisando os conceitos culturais estabelecidos, buscando sensibilizar para modelos mais flexíveis de masculinidade, construindo relações afetivas e familiares mais saudáveis (BRASIL, 2009).
RESUMO DA UNIDADE
Esta unidade iniciou apresentando as crenças que dificultam a abordagem da temática da violência junto aos atendimentos realizados pelos profissionais de saúde, com o objetivo de chamar a atenção para a prática diária e as oportunidades de atuar nesta temática. Em seguida, expusemos as dificuldades que as mulheres têm de relatar os atos de violência sofridos, os sinais e sintomas de possíveis atos violentos e as consequências para a sua saúde.
Ressaltamos que trabalhar a violência do ponto de vista da masculinidade implica a discussão e produção de conhecimento a respeito dos papéis sociais do homem na família e na sociedade, revisando os conceitos culturais estabelecidos.