ATENÇÃO A HOMENS E MULHERES
EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO

Conteúdos do Curso






Compreensão da violência entre homens e mulheres

  • Fatores de risco para a violência
  • Resumo da unidade



Identificação de sinais e sintomas de violência

  • Sinais e sintomas de violência
  • Resumo da Unidade




Atenção a homens e mulheres em situação de violência

  • Atitudes positivas do profissional de saúde e condições importantes nos serviços
  • A identificação de situações de violência
  • O cuidado com homens e mulheres em situação de violência
  • Elaboração de plano de segurança
  • Revelando o problema
  • Resumo da Unidade


UN1 - Compreensão da violência entre homens e mulheres



Ao final desta unidade você será capaz de reco­nhecer os fatores de risco para violência entre parceiros íntimos, e compreender o ciclo da vio­lência que se repete em muitos relacionamen­tos, ampliando assim as possibilidades de inter­venções e ações de prevenção a essa forma de violência.

FATORES DE RISCO PARA A VIOLÊNCIA

A violência é um fenômeno complexo e assim, não é possível compreendê-la através e uma abordagem simplista. Nesse viés, a Organização Mundial de Saúde propôs o “Modelo Ecológico”, que apresenta quatro níveis inter-relacionados que procura mostrar como as pessoas podem se tornar mais ou menos propensas a se envolverem em situações de violência. Estes níveis são: o individual, o relacional, o comunitário e o social.

Estratégias de intervenção podem ser propostas nos quatro níveis, com ações que vão desde a prevenção até a reabilitação e a reintegração, não só com as pes­soas que sofrem violência, mas com os perpetradores dela (KRUG et al, 2002).

Neste sentido, destacaremos alguns pontos do Modelo Ecológico que consideramos importantes de serem observados pelos profissionais da Aten­ção Básica, por representarem fatores de risco para a violência por parceiros íntimos. Tomamos como base informações do Manual de Atenção a Violência Intrafamiliar, do Ministério da Saúde (2001):

1

famílias com distribuição muito desigual de autoridade e poder, conforme papéis de gêne­ro, sociais ou sexuais, idade, etc., atribuídos a seus membros;

6

presença de um modelo familiar violento na história de origem das pessoas envolvidas (maus-tratos, abuso na infância e abando­no);

2

famílias em que não há nenhuma diferencia­ção de papéis, levando ao apagamento de li­mites entre seus membros;

7

incidência de abuso de álcool e outras drogas;

3

famílias com estrutura de funcionamento fe­chada, em que não há abertura para contatos externos, levando a padrões repetitivos de conduta;

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histórico de antecedentes criminais e uso ou posse de armas;

4

famílias que se encontram em situação de crise, perdas (separação do casal, desempre­go, morte, migração e outros). Estudos in­dicam que um dos momentos de maior risco para uma mulher em situação de violência por parceiro íntimo é quando ela decide se separar;

9

dependência econômica/emocional e baixa auto-estima da parte de algum(ns) de seus membros, levando à impotência e (ou) ao fracasso em lidar com a situação de violên­cia;

5

baixo nível de desenvolvimento da autonomia dos membros da família;

10

histórico de antecedentes criminais e uso ou posse de armas.

É importante que o profissional de saúde fique atento a estes fatores de risco e envolva as familias, lembrando das diferentes conformações destas, reconhecendo e estimulando o seu papel de protagonismo no enfrentamento a essas situações de violência.

Identificar situações de risco para a violência nas famílias faz parte do diagnóstico situacional a ser construído pela equipe da Atenção Básica. Este diagnóstico possibilitará o planejamento de ações em todos os níveis de atuação, ressaltan­do a importância de incluir neste planejamento ações de promoção de ambientes de paz e da prevenção das violências. A comunidade preci­sa estar envolvida nestas construções porque a violência também resulta da interação de fatores dos níveis comunitário e social como, por exem­plo, tráfico de dro­gas, e questões mais amplas, como normas culturais que estimulam a violência e mantém a desigualdade entre homens e mulhe­res ( MINAYO, 2006).

Ainda abordando o nível relacional do Modelo Ecológico, os profissionais de saúde também po­dem identificar fatores de risco que se manifes­tem nos casais (namoros, casamentos ou uniões estáveis). Tomando como base informações do Manual de Atenção à violência Intrafamiliar, do Ministério da Saúde (2001), podemos observar al­guns destes fatores de risco:

indicativos de violência em relacionamentos anteriores, de pelo menos um dos parceiros;
contexto e características do início da relação como indicativos de violência, por exemplo, ciúmes, controle e discussões frequentes;
dinâmica agressiva, isolamento e fechamento da relação, distanciamento de familiares e amigos;
elevado tempo de convivência em situação de violência e desgaste acumulado;
baixa capacidade do casal para solucionar conflitos através do diálogo;
curva ascendente de grau, intensidade e fre­quência dos episódios de violência;
elevado nível de dependência econômica e (ou) emocional dos parceiros;
baixa autoestima e pouca autonomia dos par­ceiros;
sentimento de posse exagerado por parte dos parceiros (ciúmes exacerbados);
alcoolismo e (ou) drogadição de um dos mem­bros do casal ou de ambos.

Consideramos importante ainda, ressaltar algumas formas de agressões que são consideradas violência e nem sempre percebidas, por esse motivo é necessário estar alerta, também, para essas situações que podem indicar fatores de risco.

Controlar e oprimir uma pessoa: aqui o que conta é o comportamento obsessivo, como querer controlar o que ela faz, não deixá-la sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail.

Fazer uma pessoa achar que está ficando louca: há inclusive um nome para isso: o gaslighting. Uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade.

Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar: o ato de impedir uma mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional, é considerado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mulher a abortar também é outra forma de abuso.

Quebrar objetos: causar danos de propósito a objetos de outra pessoa, ou objetos que ela goste.

Forçar atos sexuais desconfortáveis: não é só forçar o sexo que consta como violência sexual. Obrigar a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, como a realização de fetiches, também é violência.

Controlar o dinheiro ou reter documentos: tentar controlar, guardar ou tirar o dinheiro contra a sua vontade, assim como guardar documentos pessoais é considerado uma forma de violência patrimonial.

Humilhar, xingar e diminuir a autoestima: agressões como humilhação, desvalorização moral ou deboche público.

Expor a vida íntima: falar sobre a vida do casal para outros é considerado uma forma de violência moral, como por exemplo, vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança.

Lembramos que estas formas de violência não se produzem isoladamente, mas fazem parte de uma sequência crescente de episódios, do qual o homicídio é a manifestação mais extrema (BRASIL, 2015).

Pode-se considerar que as interações violentas entre parceiros íntimos – seja em casais homossexuais ou heterossexuais-, estão muitas vezes vinculadas ao aumento de tensão nas relações de dominação e su­bordinação estabelecidas entre estes.

Reconhecer a área de abrangência da equipe de Atenção Básica, identificando as diversas situa­ções de risco para a violência é o primeiro passo a ser desenvolvido pela equipe para incluir essa temática em seu processo de trabalho. Para se atuar especificamente com o tema da violência por parceiros íntimos, é preciso reconhecer a complexidade que e mulheres que podem estar nessa situação. Com isso, ações mais adequadas podem ser pensadas para cada caso. Além da identificação dessas áreas e situações de risco, a equipe precisa ser preparada para reconhecer sinais de violência na assistência aos usuários, acolhendo-os por meio e escuta atenta e qualificada.

Precisa também estar preparada para fazer a avaliação dos determinantes sociais e econômicos de cada caso e ter conhecimento de todos so encaminhamentos disponíveis em sua região.

É preciso lembrar que a violência entre homens e mulheres muitas vezes reflete a ruptura dos pa­drões culturais de base patriarcal e machista que correpondem, grosso modo, ao domínio do homem sobre a mulhe a partir do poder que a sociedade confere a este (SCHRAIBER et al, 2005). Essa violência de explosão de gênero revela a profunda desigualdade existente entre homens e mulheres.

Tendo em vista uma melhor compreensão das si­tuações de violência por parceiros íntimos, traze­mos a contribuição da psicóloga norte-americana Lenore Walker (1979), que elaborou o “ciclo da violência” para explicar padrões comportamentais existentes em relacionamentos abusivos e/ ou violentos. Conhecer essa dinâmica é impor­tante ter em mente que essas três fases variam de intensidade e tempo de duração e não aparecem em todos os relacionamentos.

O ciclo da violência é dividido por alguns autores em um número maior de fases, iniciando com um período de aumento de tensão (em que a ira do agressor começa a aumentar); fase de tensão (em que ele está prestes a explodir); um momento de explosão (em que ocorre violência física, psicológica ou patrimonial, geralmente de forma grave); o remorso (o agressor pode sentir remorso ou medo de que os outros saibam); as promessas (o agressor mostra-se arrependido, pede perdão e faz promessas à vitima) e finaliza com a chamada lua de mel (o agressor comporta-se de modo carinhoso e romântico e a vítima acredita que ele vai mudar) (Meneguel, 2015). Esse ciclo na realidade é uma espiral ascendente, cujas etapas vão se tornando mais cruéis e ocorrem em um espaço de tempo cada vez menor.

CICLOS DE VIOLÊNCIA E OS COMPORTAMENTOS DO HOMEM E DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Fase 1- Aumento da tensão

Fase 2- O incidente agudo da violência

Fase 3- Apaziguamento/Esperança de mudança

Pequenos incidentes de violência frequentemente.

Fase mais breve. Caracteriza-se pela incontrolável descarga de tensão acumulada na fase 1 e pela falta de previsibilidade e controle.

O agressor sabe que seu comportamento foi inadequado e tenta fazer as pazes. É o período de calma incomum. Há predominância da imagem idealizada da relação de acordo com os modelos convencionais de gênero. O casal torna-se dependente um do outro: quando um tenta separar-se o outro se torna drasticamente afetado.

Mulher

Atribui os incidentes à situação externa; acredita que tem controle sobre o comportamento do agressor. A mulher não consegue restaurar o equilíbrio da relação, ficando cada vez menos capaz de se defender.

Ocasionalmente provoca incidentes, antecipação do que possa acontecer. Provoca estresse com ansiedade, depressão e queixas de sintomas psicossomáticos. Seus sentimentos nesta fase são de terror, raiva, ansiedade, sensação de que é inútil tentar escapar.

Agredida, precisa acreditar que não sofrerá mais violência.

Homem

A aparente aceitação por parte da mulher do comportamento violento estimula-o a não controlar a si mesmo. As tentativas de humilhação tornam-se mais fortes, e as ofensas verbais, mais longas e hostis. Aumenta a opressão, o ciúme e a possessividade quando observa a tentativa de afastamento da mulher. Vigia os passos da mulher.

A raiva é tão grande que o impede de controlar seu comportamento. Inicialmente tenta dar uma “lição” na mulher e termina quando crê que ela “aprendeu” a lição. O motivo de início das agressões geralmente está relacionado a um acontecimento externo.

Trata carinhosamente a mulher, pede perdão e promete controlar a si mesmo. Ele acredita que não agredirá mais e pensa que a mulher “aprendeu” a “lição”.

Tradicionalmente, este ciclo é utilizado para si­tuações em que a mulher é a principal vítima e o homem o principal autor, no entanto, é possí­vel utilizá-lo para compreender as dinâ­micas de violência entre casais homossexuais ou quando um homem sofre as violências. Com a compreensão deste ciclo, profissionais de saúde, familiares e amigos podem entender melhor o motivo da manutenção da relação violenta e qual a melhor forma e momento para intervir. A violência por parceiros íntimos ocorre, sobre­tudo, pela necessidade do autor da agressão em exercer poder e controle sobre a outra pessoa e sobre a relação.

É preciso ter em mente que apesar do apoio de fami­liares, amigos e profissionais de saúde ser fundamen­tal, a decisão do rompimento deste ciclo deve ser da pessoa que está vivenciando a situação de violência. Deve-se respeitar a decisão das pessoas envolvidas considerando a complexidade da situação e as múlti­plas escolhas possíveis de acordo com cada realidade (SCHRAIBER et al, 2005).

Existem alguns modelos desenvolvidos com o in­tuito de explicar as dificuldades que as pessoas em situação de violência encontram para deixar a relação, bem como os padrões de ações que o autor da violência costuma utilizar a fim de manter o domínio sobre o outro. Observe a seguir o modelo da roda do poder e do controle:


Mesmo sabendo que as mulheres são as maio­res vítimas da violência por parceiros íntimos, cristalizá-las como “vítimas” e os homens como “agressores” não irá contribuir para que o pro­fissional da saúde consiga estabelecer canais de diálogo com estes.

Conhecer o “ciclo da violên­cia” é de grande utilidade para a compreensão da dinâmica que se estabelece nessas relações e, consequentemente, para que o profissional de saúde faça uma abordagem mais adequada, sem vitimizar a mulher e culpabilizar o homem.


Nesta unidade foi destacado que os profissionais de saúde precisam identificar e fazer um diagnós­tico situacional de famílias e parceiros íntimos em situação de risco para a violência. É fundamental também o conhecimento do ciclo de violência nas relações entre parceiros, que envolvem o aumento da tensão no relacionamento, o incidente de vio­lência, o apaziguamento e a esperança de mudan­ça. A compreensão dessa dinâmica possibilita que o profissional de saúde possa oferecer apoio e propi­ciar a reflexão e o empoderamento para a mudança de comportamentos.