POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO
DA VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO

Conteúdos do módulos






Políticas públicas de enfrentamento à violência no Brasil

  • Conferências e convenções voltadas à violência
  • Legislação sobre violência
  • Políticas públicas sobre violência
  • Resumo da unidade



Humanização na atenção a homens e mulheres em situação de violência

  • Humanização e atenção às pessoas em situações de violência
  • Humanização da atenção e da gestão do SUS
  • Resumo da unidade




A violência na atenção à saúde

  • Invisibilidade da violência na atenção básica
  • Ética e sigilo
  • Resumo da unidade


UN1 - Políticas públicas de enfrentamento à violência no Brasil



Para iniciar o delineamento de como se constituíram as políticas públicas de enfrentamento da violência se faz necessário realizar uma breve retrospectiva sobre a conquista dos direitos das mulheres em âmbito nacional e internacional.

CONFERÊNCIAS E CONVENÇÕES VOLTADAS À VIOLÊNCIA

Parte essencial do processo histórico de construção dos direitos das mulheres tem como marco de referência a Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, patrocinada pela ONU, em 1975, na Cidade do México. A esse evento seguiu-se o lançamento da Década da Mulher (1975–1985), quando os governos foram convocados a “promover a igualdade de homens e mulheres perante a lei, igualdade de acesso à educação, à formação profissional, além de igualdade de condições no emprego, inclusive salário e assistência social” (ONU, 2011, p. 11).

Ainda na década de 1970 foi aprovada a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher que representou um novo marco histórico para o compromisso dos governos com a promoção e a proteção dos direitos das mulheres.

Entretanto, foi somente em 1990 que o setor de saúde começou a assumir oficialmente a violência não só como questão social, mas de saúde pública (MINAYO, 2004). É importante assinalar que a década de 1990 foi particularmente promissora em termos de inclusão dos direitos das mulheres na agenda mundial de direitos humanos e na pauta política dos governos. Em diversos países destacam-se os ciclos de conferências internacionais – regidas pelas Nações Unidas – que fortaleceram a luta dos movimentos sociais e contribuíram para o reconhecimento dos direitos das mulheres, fornecendo alicerces para a criação de políticas de enfrentamento à violência baseada em gênero. Os eventos mais emblemáticos desse período foram os seguintes:

Esse avanço no reconhecimento dos direitos das mulheres, por meio dessa declaração e das conferências, constituiu um importante instrumento de luta e organização das pautas dos movimentos feministas e de mulheres na América Latina.

As reivindicações iniciais pelo fim da impunidade penal foram ampliadas para incorporar demandas que pudessem dar efetividade a tais conquistas, dentre as quais figuram as políticas públicas que contribuíram para a igualdade entre homens e mulheres, para o acesso aos direitos por todas as mulheres e para promover ações de erradicação da violência – baseada em gênero –, em todas as suas formas (Machado, 2001). Com base em várias discussões em âmbito internacional e nacional, por meio de conferências e convenções, o Brasil construiu políticas públicas hoje vigentes que abrangem a violência por parceiros íntimos. No período de 1992 a 2012 muitas alterações institucionais e legais ocorreram no país, no que concerne às políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres.

Conforme o Relatório sobre o Progresso das Mulheres no Brasil, entre os anos de 2003 e 2010 houve significativos avanços no enfrentamento à violência contra mulheres, que se traduzem na mudança da legislação, na produção crescente de estudos e dados estatísticos de incidência da violência contra as mulheres, na criação de serviços públicos especializados de atendimento, e na adoção de planos nacionais para enfrentar o problema.

Deste modo é importante lembrar que tratados, convenções e pactos assinados pelo Brasil em fóruns internacionais e ratificados pelo Congresso Nacional Brasileiro têm status constitucional.

Por outro lado, as declarações internacionais e os planos de ações das conferências internacionais são utilizados como princípios gerais, orientando a produção legislativa e de políticas públicas em saúde. A seguir apresentaremos as principais legislações e políticas vigentes para subsidiá-lo no entendimento de como estão estruturadas as formas legais e jurídicas de enfrentamento à violência no Brasil.

LESGILAÇÃO SOBRE VIOLÊNCIA

Em 2004, por intermédio da Portaria GM/MS nº 936/2004, o Ministério da Saúde (MS) iniciou a estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde com a implantação de Núcleos de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde. O objetivo dos Núcleos é discutir a temática e fortalecer as ações de intervenção locais, bem como melhorar a qualidade da informação sobre acidentes e violência.

Em seguida, estabelece a notificação compulsória de violência contra a mulher, conforme dispõe a Portaria GM/MS 2.406/2004.

A regulamentação dessa portaria foi um importante passo dado pelo governo no que se refere à violência contra a mulher. Ela prevê a notificação compulsória de violência contra a mulher no atendimento prestado em quaisquer serviços de saúde, sejam públicos ou privados. Assim, sempre que alguém se dirigir a um serviço de saúde para ser atendida, em razão de lesões provocadas pela violência doméstica ou sexual, o profissional que realizar o atendimento terá de emitir uma notificação ao Serviço de Vigilância Epidemiológica, ou outro, da Secretaria Municipal de Saúde. Essas informações formam uma base de dados integrada sobre a violência contra a mulher, colaborando para traçar o perfil das pessoas que sofrem violência e as que praticam. A ideia é dimensionar, com mais precisão, a amplitude do fenômeno da violência contra a mulher, e servir de base para a elaboração de políticas públicas voltadas às mulheres (IPEA, 2005, p. 142).

Outra conquista importante para as mulheres foi a Lei 10.886/04, que torna a lesão corporal um tipo especial de violência doméstica. Segundo Jardim (2005), a inovação dessa lei deu visibilidade ao crime de violência doméstica ao tipificá-la como um tipo especial de lesão corporal, bem como do aumento de pena (1/3) nos casos de lesão corporal de natureza grave e de lesão corporal seguida de morte, que seja praticada em circunstâncias de violência doméstica.

Em 2006 o presidente da República sancionou a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) – Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, em vigor desde 22 de setembro de 2006 –, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Dentro dessa conjuntura política, a lei pode ser considerada como um passo em direção ao cumprimento das determinações da Convenção de Belém do Pará e da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres (CEDAW), além de regulamentar a Constituição Federal.

A Lei Maria da Penha define uma política nacional voltada para a promoção da equidade de gênero e para a redução das diferentes formas de vulnerabilidade social das mulheres. Aponta o dever do Estado em promover políticas públicas articuladas e capazes de incidir sobre o fenômeno da violência contra a mulher. Essa lei contém dispositivos civis e penais e dá ênfase à proteção das mulheres para além da punição ao agressor.

A lei inova ao prever o direito da mulher em situação de violência à assistência da Defensoria Pública nas fases do inquérito policial e da ação judicial, além de afastar o mecanismo de conciliação e todos os outros dispositivos da lei 9.099/95.

Na Lei Maria da Penha, encontra-se a seguinte definição de violência contra a mulher:

“[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas [...];

II – no âmbito da família [...];

III – em qualquer relação íntima de afeto [independente da orientação sexual” (BRASIL, 2006, art. 5).

No Artigo 7º são apresentados os entendimentos a respeito das diferentes formas de violência contra a mulher (BRASIL, 2006), conforme se vê descrito a seguir.

Há que se pensar que a reabilitação para os autores de violência contra a mulher é, junto a outras medidas judiciais e sociais, uma atuação necessária. Tratar o agressor não significa isentá-lo de sua responsabilidade, assim como é um falso dilema considerá-lo como maldoso, que merece as medidas punitivas adequadas; ou como enfermo, que necessita então de um tratamento médico e psiquiátrico (Sanmartín, 2004).

Uma conquista importante quanto à reabilitação do agressor na Lei Maria da Penha é o reconhecimento da necessidade de implementar ações que incluam os homens. A seguir estão listados os artigos da lei que destacam essas ações.

Artigo 35: A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: centros de educação e de reabilitação para os agressores (BRASIL, 2006).

Artigo 45: altera a redação do art. 152 da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), que define em parágrafo único: Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação” (BRASIL, 2006).

Assim, a criação da Lei Maria da Penha no Brasil foi um reconhecido avanço na área da violência contra a mulher. Apesar disso, ainda são necessários maiores esforços da sociedade para reduzir as desigualdades sociais que geram e reproduzem as diferenças entre homens e mulheres. Após a Lei Maria da Penha, outra legislação muito importante de proteção às mulheres foi a Lei di Feminicídio sancionada em 2015. Essa lei inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

O principal ganho com a Lei do Feminicídio é justamente tirar o problema da invisibilidade e pela punição mais grave para os que cometerem o crime contra a vida. Essa tipificação é vista por especialistas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres no País, quando ela chega ao desfecho extremo do assassinato.

Permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e preveni-la.

POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE VIOLÊNCIA

Em relação aos mecanismos institucionais de gênero, ocorreu um avanço importante em 2003 através da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Essa secretaria resgatou a atuação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) na década de 1980, intensificou sua interlocução com os movimentos de mulheres e foi reconhecida, por esses movimentos, como aliada na defesa de políticas públicas com a perspectiva de gênero. A atuação dessa secretaria, em sintonia com os movimentos de mulheres e em interlocução com o Congresso Nacional, foi de grande importância na aprovação da Lei Maria da Penha.

No plano nacional a SPM foi, no período de 2003 a 2010, um importante mecanismo de defesa dos direitos das mulheres. No plano estadual, mesmo considerando a ampliação desses mecanismos – no final de 2010 existiam secretarias de políticas para as mulheres em 23 estados brasileiros –, grande parte deles estavam sem força capaz de impulsionar políticas locais mais significativas.

Por outro lado, esses mecanismos locais, em articulação com movimentos de mulheres, foram de grande importância para a realização de conferências municipais e estaduais de mulheres. Em 2004, fruto desse processo, o MS elaborou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que admite como um dos principais temas a promoção da atenção às mulheres e aos adolescentes em situação de violência.

O plano tem como objetivo organizar as redes de atenção integral a mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Esse plano definiu algumas metas para o período de 2005 a 2007: a integração de serviços em redes locais, regionais e nacionais; a instituição de redes de atendimento envolvendo um conjunto de instituições; o aumento dos serviços de atenção à saúde da mulher em situação de violência; a ampliação do número de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams).

Como resultado da realização da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2007, a SPM elaborou o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM) e, voltado especificamente à problemática da violência contra as mulheres, o Governo Federal aprovou o Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Esse pacto nacional consiste no desenvolvimento de um conjunto de ações a serem executadas no período de 2008 a 2011. Tem como meta desenvolver políticas públicas amplas e articuladas, prioritariamente direcionadas às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, considerando a dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas.

O pacto estimula a articulação federativa por meio de convênios com estados e municípios, disponibilizando recursos financeiros para criação de serviços, compra de equipamentos, promoção de cursos de capacitação de agentes públicos, dentre outras ações. Como resultado dessa articulação federativa, observa-se no período de 2007 a 2010 um aumento significativo de serviços voltados à atenção às mulheres em situação de violência e a possibilidade de fortalecimento dos mecanismos locais de defesa dos direitos das mulheres.

Esse pacto apresenta como eixos estruturantes: a proteção aos direitos sexuais e reprodutivos e a feminilização da Aids; o fortalecimento da rede de atendimento e implementação da Lei Maria da Penha; o combate à exploração sexual da mulher e da adolescente e ao tráfico de mulheres; a promoção dos direitos humanos das mulheres.

A legislação nacional e os tratados e as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil apresentam avanços quanto à institucionalização de direitos, pautando-se nos princípios da universalidade e da igualdade.

No entanto, tais avanços não se concretizam na vida de milhões de homens e mulheres, na medida em que se materializam por meio das políticas implementadas pelo Estado num contexto social marcado por contradições de classe, gênero e étnico-raciais (ROCHA, 2005).

Tratar a violência como um ato isolado, sem dar importância ao fato de que ela se cronifica, sendo difícil enfrentá-la sem uma rede de apoio, sobretudo de políticas públicas, é contribuir para a manutenção de formas de sociabilidade violentas no interior da família e da sociedade (ROCHA, 2005).

A aprovação de medidas legislativas que visem prevenir e combater a violência de gênero e a discriminação à mulher constitui passos importantes, mas essas medidas precisam ser substantivadas por meio de ações governamentais, no âmbito do Executivo e da atuação do Judiciário, além de estabelecerem o grande desafio de torná-las conhecidas da população e de garantir-lhes o acesso à Justiça (ROCHA, 2005).

Alguns pesquisadores já vêm demonstrando a necessidade de lançar esse olhar às políticas destinadas a homens em situação de violência, pois no plano atual ainda são tratados exclusivamente como agressores.

Podemos observar que todas as conferências, leis e políticas relacionadas à violência foram criadas com base na violência contra a mulher. Pouco se fala sobre a violência pelos homens – estas, quando são abordadas, estão mais relacionadas à violência urbana e a homicídios (TRISTÃO et al, 2012).

O homem pode ser vítima da violência doméstica, sendo incluído nos termos da Lei Maria da Penha. Contudo, as medidas de assistência e proteção limitam-se à mulher (CUNHA e PINTO, 2007).

Beiras et al (2011) elaboraram uma comunicação acerca do mapeamento dos programas que elaboram políticas públicas na América Latina e em Portugal. Demonstraram que, principalmente na América Latina, ainda privilegiam o atendimento a mulheres vítimas de violência. São iniciativas de entidades não governamentais que desenvolvem programas para o atendimento ao homem.

Em Portugal a legislação já prevê a atenção ao homem autor de violência. Todavia, os quatro programas visitados – três vinculados a universidades e um deles a um hospital psiquiátrico – apresentaram alguns enfrentamentos, como a deserção ao serviço, a carência de recursos financeiros, aspecto que também é uma dificuldade enfrentada pelos programas latinos, além da necessidade de profissionais instrumentalizados para lidar com o tema da violência. Trabalham na direção de atenuar os impactos da violência na vida dos sujeitos e de suas famílias, reduzindo e até cessando os comportamentos violentos, oportunizando novos posicionamentos frente a situações disparadoras de atos de violência. Tomando por base esses fatos, acredita-se que com a elaboração e o fortalecimento de políticas públicas e de intervenção que deem visibilidade ao homem autor de violência será possível promover a mudança nesse cenário.

Desta maneira, poderão contar com o apoio de uma diretriz governamental que efetivamente direcione recursos e desenvolva projetos em prol da equidade dos atendimentos no enfrentamento da violência.

RESUMO DA UNIDADE

Iniciamos esta unidade apresentando as principais conferências e convenções nacionais e internacionais, com o objetivo de explicar historicamente como foram discutidos os assuntos relacionados à violência. Em seguida expusemos as leis que regem nosso país no que tange ao enfrentamento da violência. Por fim, contemplamos as políticas públicas, com o objetivo de subsidiá -lo a entender e discutir a temática da violência tanto tomando suas especificidades na legislação quanto a forma que interage na complexidade das políticas públicas.