Ao final desta unidade você será capaz de identificar os tipos de violência física, psicológica, sexual e de comportamento controlador, além dos seus índices e dos atos que os diferenciam.
VIOLÊNCIA FÍSICA POR PARCEIROS ÍNTIMOS
No âmbito do Brasil, o Ministério da Saúde ressalta que violência física ocorre quando uma pessoa está em relação de poder com a outra, podendo causar ou tentar causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de arma que possa provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Abrange ainda agressões físicas ou a intenção de realizar tais agressões, como ameaçar de jogar algo ou de dar um soco (BRASIL, 2002).
Há variadas formas de manifestação da violência física, como as que seguem: tapas; empurrões; socos; mordidas; cortes; estrangulamento; queimaduras; lesões por armas ou objetos; obrigar a outra pessoa a ingerir medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias e alimentos; tirar de casa à força; amarrar; arrastar; arrancar a roupa; abandonar em lugares desconhecidos; causar danos à integridade física em virtude de negligência, como se omitir a cuidados e proteção contra agravos evitáveis em situações de perigo, doença, gravidez, alimentação e higiene.
Em estudo conduzido por Moura, Gandolfi, Pratesi (2009) com mulheres em idade fértil, realizado no Brasil, os atos de violência física considerados moderados, de maior prevalência tanto no decorrer da vida como nos últimos 12 meses, foram os empurrões (53%) ou chacoalhões (26%).
No entanto, os atos que se apresentaram com maior frequência – isto é, que ocorreram muitas vezes no decorrer da vida e nos últimos 12 meses – foram os chutes (61%) ou as surras (56%).
Ainda que encontremos muitas pesquisas que tratam apenas a mulher como vítima de violência física, existem estudos que abordam essa temática com casais, em relatos da mulher não só relacionados ao que ela sofre, mas ao que ela comete, e ainda mais recentemente foram feitas investigações da violência física em homens e mulheres separadamente.
Ao menos uma em cada quatro mulheres relatou ter sido ameaçada ou ter sofrido lesão por arma branca e de fogo. Exemplo disso é uma pesquisa realizada por Zaleski M. et al (2010), que verificou que o ato de violência física mais comum perpetrado por homens e mulheres foi “empurrar, agarrar ou sacudir”. O ato mais comum relatado em episódios de vitimização foi a agressão com “tapas”.
Cerca de 2% dos homens e 5% das mulheres relataram atingir seus parceiros com alguma coisa. Os homens relataram menos violência mútua do que as mulheres. As mulheres informaram perpetrar e sofrer mais agressões que os homens. De forma semelhante em pesquisa conduzida em serviço de saúde que aponta uma maior vitimização entre as mulheres, seja ela psicológica, física ou sexual, quando se trata de violência perpetrada por parcerios íntimos (BARROS; SCHRAIBER, 2017.)
Como podemos destacar o estudo conduzido por Lindner et al (2015), verificou uma semelhança na violência física moderada sofrida por mulheres e homens, mas quando se trata de violência física severa as mulheres são muito mais vulneráveis. As mulheres utilizam a violência com maior frequência em situações de autodefesa, ao passo que os homens a utilizam com o objetivo de intimidar a parceira e mostrar autoridade (ZALESKI. et al, 2010).
Para muitas mulheres a agressão física não é um evento isolado, mas parte de um padrão contínuo de comportamento abusivo, ou seja, muitas vezes os atos de violência física acontecem de maneira sistemática dentro da dinâmica do casal, ocorrendo frequentemente, podendo chegar até a episódios diários (KRUG et al, 2002).
Como percebemos, a violência física entre parceiros é um fenômeno que acomete muitas pessoas e, em função da gravidade dos seus atos, pode levar a severas consequências. Pessoas que sofreram abuso físico ou sexual, por exemplo, têm mais problemas de saúde do que as que não sofreram – em relação ao funcionamento físico, ao bem-estar psicológico e à adoção de futuros comportamentos de risco, inclusive fumar, inatividade física e abuso de álcool e drogas.
Pessoas que sofreram abuso físico ou sexual, por exemplo, têm mais problemas de saúde do que as que não sofreram – em relação ao funcionamento físico, ao bem-estar psicológico e à adoção de futuros comportamentos de risco, inclusive fumar, inatividade física e abuso de álcool e drogas. Essas substâncias foram consideradas por muitas pesquisas como um dos principais motivos para o desencadeamento da violência física entre os parceiros (MCCAULEY et al, 1995; KRUG, 2002). Bem como alguns estudiosos consideram que pessoas em situação de violência fazem o uso dessas substâncias como mecanismos de fuga.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA POR PARCEIROS ÍNTIMOS
Outra natureza da violência por parceiro íntimo é a psicológica. A definição desta envolve necessariamente os atos que a compõem, como os seguintes: insulto, humilhação, degradação pública, intimidação e ameaça. Esse tipo de agressão acontece muito e talvez até em uma proporção maior do que a violência física. Geralmente ocorre em casa, na família, afetando diretamente a autoestima e a autoimagem de quem sofre.
Algumas pessoas usam a violência psicológica como uma forma de tortura para evitar que seu companheiro fuja, denuncie os maus tratos ou encontre outra pessoa para viver e modificar o cenário atual.
Para Brasil (2002), a violência psicológica é toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa que a sofre.
Ampliando as manifestações da natureza da violência psicológica, a Brasil (2005) pontua exemplos rotineiros na violência contra a mulher, a saber: (...) Impedir de trabalhar fora, de ter sua liberdade financeira e de sair, deixar o cuidado e a responsabilidade do cuidado e da educação dos filhos só para a mulher, ameaçar de espancamento e de morte, privar de afeto, de assistência e de cuidados quando a mulher está doente ou grávida, ignorar e criticar por meio de ironias e piadas, ofender e menosprezar o seu corpo, insinuar que tem amante para demonstrar desprezo, ofender a moral de sua família (BRASIL, 2005. p. 120 e 121).
Nos últimos anos, estudos demonstram que a violência psicológica também é muito utilizada pelas mulheres contra seus parceiros.
A violência psicológica é caracterizada pela Lei nº 11.340 em vigor como “[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento [...]”.
O fato de a violência psicológica, finalmente, ser reconhecida por meio de uma Lei, constitui-se num importante avanço no combate a todos os outros tipos de violência. Mas, de outro lado, a violência psicológica ainda está longe de ser considerada pelos serviços públicos de saúde e instituições policiais como uma problemática social grave.
Estudo da OMS conduzido também no Brasil mostra que a violência psicológica não foi referenciada como episódio único, mas relatado como algo que aconteceu muitas vezes para 44% das mulheres de Pernambuco. Cabe destacar ainda que, quando exclusiva, expressa-se de maneira mais moderada do que quando associada a outras formas de violência, sendo mais frequente o ato de insulto (ZORRILA, 2010).
A violência psicológica ocorre como o evento mais frequente durante a vida de mulheres. Pesquisa realizada por Kronbauer e Meneguel (2005) demonstrou que mulheres vítimas de violência psicológica podem sofrer efeitos permanentes em termos de autoestima e autoimagem, e tornarem-se menos seguras do seu valor e mais propensas à depressão. Da mesma forma, a depressão e os sintomas de ansiedade, durante o ano anterior à pesquisa realizada por Wijma et al (2007) estiveram associados com a violência psicológica.
Assim, em estudo conduzido com homens, 92,4% dos entrevistados referiram a violência psicológica e tiveram 2,6 vezes mais chance de reportarem distúrbios psiquiátricos menores, como depressão, alteração no sono, entre outros. Essa pesquisa mostra que a dinâmica da violência entre parceiros íntimos está se modificando, com homens e mulheres começando a assumir papéis diferentes nas relações de violência (REID et al, 2008).
Estudo realizado com casais de estudantes jovens, realizado no México, também encontrou que a vitimização doméstica é similar entre homens e mulheres (FERGUSON, 2011). No caso de estudos com jovens, a possível simetria de gênero nos direciona a pensar que o perfil de violência sofrida e perpetrada muda com o avançar da idade ou o tempo de relacionamento. Essa foi uma das possíveis explicações levantadas pelo estudo brasileiro com universitários na condição de namoro, no qual também não foram observadas diferenças de relato de violência sofrida e perpetrada entre homens e mulheres (FLAKE, et al., 2013).
VIOLÊNCIA SEXUAL POR PARCEIROS ÍNTIMOS
Embora seja difícil o reconhecimento da violência sexual entre parceiros íntimos, ela acontece, principalmente, em culturas em que a prática sexual não consensual é tida como um dever da esposa. Quando observamos os índices de violência, a sexual é a menos frequente dentre os demais tipos, sobretudo entre parceiros íntimos. Essa invisibilidade da violência sexual se explica pelo constrangimento que as mulheres apresentam em denunciar, por ocorrer no interior das relações por parceiro íntimo e estar vinculada a questões de poder.
No Brasil, estudos identificaram que o medo com relação a algo que o companheiro possa vir a fazer é motivo para se submeter a relações sexuais forçadas, como ocorreu com 23% das mulheres durante a vida e 12% nos últimos 12 meses em estudo conduzido por Moura et al (2009). 10,1% de mulheres da cidade de São Paulo e 14% da Zona da Mata relataram que haviam sido forçadas fisicamente a ter relações sexuais, por medo, ou forçadas a prática sexual degradante. Observou-se que mulheres que sofrem esse tipo de violência relatam mais problemas de saúde em comparação com as sem histórico de violência sexual (SCHRAIBER et al, 2007).
Ainda que existam muitas e diferentes delimitações para essa forma de violência, a Organização Mundial da Saúde define violência sexual como atos, tentativas ou investidas sexuais indesejados, com uso de coação e praticados por qualquer pessoa, independentemente de sua relação com a vítima e em qualquer contexto, seja doméstico ou não. Inclui atos como estupros (penetração forçada) dentro do casamento ou namoro, por estranhos ou mesmo em situações de conflitos armados. Também inclui assédios sexuais: atos e investidas, na forma de coerções e de pagamento ou favorecimento sexual nas relações hierárquicas (de trabalho ou escolares).
São ainda consideradas como violência sexual as práticas sexuais sem penetração, atos definidos no Brasil como atentados violentos ao pudor. Tais práticas incluem coerção, exibicionismo e voyeurismo, coerção à pornografia, prostituição forçada, mutilação genital forçada e tráfico de meninos, meninas e mulheres (HEISE, 1999).
Porém, muitas pessoas não denunciam a violência sexual para a polícia por vergonha ou porque têm medo de serem humilhadas, de que não acreditem nelas ou de serem maltratadas de alguma forma. Os dados fornecidos pelos institutos médico-legais, por outro lado, podem apresentar desvios em relação aos incidentes mais violentos de abuso sexual. A quantidade de mulheres que procuram os serviços médicos por causa de problemas imediatos relacionados à violência sexual também é relativamente pequena.
COMPORTAMENTO CONTROLADOR
O tipo de violência caracterizado como comportamento controlador entre parceiros íntimos refere-se a comportamentos com intuito restritivo de um parceiro contra o outro. Segundo Krug et al (2002), são consideradas atitudes do comportamento controlador:
Dentre as abordagens do comportamento controlador “isolar socialmente da família e amigos” foi considerado como o ato mais praticado, seguido de: controle dos movimentos e atividades do parceiro; controle econômico; ciúmes quando o parceiro fala com outra pessoa. Com relação aos atos exclusivos de homens contra as mulheres, destacam-se: dominar ou usar poder sobre a mulher; restringir o acesso da mulher à escola e (ou) ao trabalho; limitar ou monitorar o uso do telefone; segui-la.
Esses atos são divididos em duas categorias: a primeira denomina-se isolamento social, em que o parceiro é impedido ou tem dificuldades de rever sua família de origem, seus amigos ou até vizinhos; a segunda relaciona-se ao controle propriamente dito, quando o parceiro exige explicações e relatórios constantes sobre onde, com quem e o que fez no seu dia a dia. Os comportamentos controladores muitas vezes evidenciam o sentido de subordinação feminina, em que as decisões da mulher são ignoradas, assim como há impedimento do acesso a dinheiro, trabalho, estudo e comunicação, fatores que poderiam contribuir para a independência da mulher e sua liberação da situação de violência.
O comportamento controlador também foi relacionado com a violência física, uma vez que o ciúme corresponde a um dos principais motivos para as agressões.
No entanto, de acordo com o meio cultural, os ciúmes excessivos e a exigência de relatórios constantes podem ser interpretados pela mulher como manifestações de zelo do parceiro íntimo. Enquanto para algumas mulheres o controle parte de uma condição de desigualdade de gênero, outras podem se sentir protegidas, e os atos de controle passam a ser percebidos como preocupação, carinho e amor. Neste contexto, percebe-se o desafio de reconhecer e mensurar o comportamento controlador, uma vez que nem sempre a pessoa considera o controle algo que gera consequências negativas em sua qualidade de vida. Dessa forma, o comportamento controlador apresenta uma representativa complexidade, em função de ser intrinsecamente subjetivo e culturalmente diferenciado (KRANTZ & GARCIAMORENO, 2005).
Outra concepção de comportamento controlador corresponde a perseguição, ameaça implícita ou explícita evidenciada pelo comportamento de invasão, perseguição proposital, maliciosa e repetitiva, que causa medo ou insegurança à pessoa. Diante desse universo acerca das naturezas que envolvem a violência por parceiros íntimos, é importante ressaltar que a violência pode acarretar várias consequências psicológicas a pessoas em situação de violência: a ansiedade, a depressão, sintomas de estresse pós-traumático, comportamento antissocial, comportamento suicida, baixa autoestima, incapacidade de confiar nos outros, distúrbios do sono, tentativa de suicídio, entre outras (BLACK, 2011).
Para complementar seus estudos, leia o artigo “Violência conjugal em uma perspectiva relacional: homens e mulheres agredidos/agressores”, de Simone F. Alvim e Lídio de Souza.
Nele se discutem dados de uma pesquisa sobre violência conjugal, identificando as concepções de violência, o contexto conjugal, os tipos de agressão, os sentimentos gerados após o ocorrido e as consequências para a saúde dos envolvidos.
RESUMO DA UNIDADE