Ao final desta unidade você deverá conhecer os aspectos relacionados à violência contra a comunidade LGBT.
VIOLÊNCIA CONTRA LGBT
Para abordar a violência contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, é fundamental conhecermos a definição de identidade de gênero e orientação sexual, as quais são categorias distintas que interagem entre si.
Identidade de gênero é o gênero pelo qual a pessoa se identifica, a partir de uma experiência subjetiva, podendo ser concordante ou não com sua genitália e gênero que lhe foi atribuído ao nascimento (JESUS, 2012).Desta forma, existem pessoas cisgêneras, aquelas que e identificam com seu sexo biológico e gênero atribuído ao nascer e as pessoas transgêneras (homens e mulheres transexuais e as travestis).
A orientação sexual é compreendida pela atração física, sexual ou emocional que ocorre entre pessoas do gênero oposto (heterossexual),do mesmo gênero (homossexual, gay,lésbica) ou por ambos os gêneros (bissexual). Também há pessoas que sentem atração por todos osgêneros e sexos, definidas como pansexuais (APA, 2008).
Quanto às definições referentes à população LGBT destaca-se (BRASIL, 2012):
Dependendo da organização proponente, existem outras definições, as quais marcam algumas diferenças entre essas identidades, mas sua importância está em questionar a existência de uma sexualidade única, inflexível e normatizada, e as consequências que esse paradigma traz às pessoas que estão fora da norma.
A sexualidade não heterossexual ainda sofre inúmeros preconceitos e discriminações, constituindo-se também por uma violência de gênero.
Por exemplo, uma pesquisa que foi realizada com 2.363 pessoas, em 102 municípios brasileiros, constatou que 89% dos entrevistados foram contra a homossexualidade masculina e 88% foram contra a lesbiandade e a bissexualidade de mulheres (ALMEIDA, 2007). Existem outros exemplos de como se costuma destinar o status de “menos humano” a pessoas que não são consideradas exclusivamente heterossexuais ou não se comportam de acordo com o esperado socialmente como “mulher ou homem”.
O fato de a população LGBT não fazer parte da heteronormatividade e/ou da cisgeneridade padronizada em nossa sociedade já lhe atribui um estigma de desvio à norma, além de um processo de rotulação bem descrito por Goffman (1963). Esse “desvio” traz consigo uma expressão particular da violência de “gênero”, que se manifesta por meio das discriminações e agressões nos diferentes âmbitos da vida cotidiana da população LGBT. Ainda que essas discriminações e agressões na maioria das vezes não sejam tipificadas, não é raro que a imprensa divulgue notícias de violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, nos diferentes contextos sociais, inclusive na escola.
Os casos mais evidenciados são situações extremas que levam à violência física e à morte, muitas vezes expostas de modo sensacionalista pela mídia, a qual também deveria reforçar os valores de respeito à dignidade humana.
Essas violências também podem ser camufladas no decorrer das investigações policiais sobre crimes de latrocínio (“matou para roubar” ou “matou porque odeia e aproveitou para roubar”), crimes de ódio e (ou) crimes passionais, visto que a dinâmica dos encontros homoeróticos é favorecida pela clandestinidade e se dá entre parceiros sexuais muitas vezes desconhecidos, fator que propicia atitudes e eventos dessa natureza. A camuflagem constrói um imaginário desses crimes e invisibiliza as violações dos direitos humanos dessas pessoas, categorizando-os como acontecimentos dados pelo acaso.
Por outro lado, apesar de a violência física ter maior visibilidade, o preconceito, a discriminação, a lesbofobia, a homofobia e a transfobia operam também por meio da violência simbólica e silenciosa, aceitas como “normais” pela sociedade. Essas formas invisíveis de violência reforçam no imaginário social ideias, sentimentos e crenças negativas sobre a população LGBT, que culminam em práticas violentas e violações dos direitos desse grupo, muitas vezes alentadas pelos meios de comunicação. Esses fatos colaboram para a veiculação e perpetuação dos valores dominantes de intolerância e desrespeito, ampliando a vulnerabilidade social da população LGBT.
Pesquisas como a da “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil”, realizada pela Fundação Perseu Abramo (2009), não deixam dúvida quanto à gravidade do preconceito, estimando que 11 de cada 12 brasileiros concordam com a afirmação de que “Deus fez o homem e a mulher [com sexos diferentes] para que cumpram seu papel e tenham filhos”. O índice de homofobia, construído com base nos dados da pesquisa, indica que um quarto (25%) da população brasileira é homofóbico.
Por sua vez, os dados obtidos na pesquisa realizada na 8ª Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro nos apresentam parte dos efeitos da violência homofóbica socialmente construída, revelando que dos 403 participantes, 56,3% da amostra relataram ter sofrido agressões verbais e ameaças relativas à condição homossexual ou em relação à identidade de gênero. Esse estudo revelou ainda que travestis e transexuais são alvos preferenciais das práticas discriminatórias e das violências verbais, somando 65,4% de ocorrências em relação a 41,5% das mesmas sobre gays, lésbicas e bissexuais. Quando se trata de agressões físicas, a proporção de agressões contra travestis e transexuais aumenta para 42,3%, ao passo que para lésbicas diminui para 9,8%, 16,6% para gays e 7,3% para bissexuais (CARRARA; RAMOS; CAETANO, 2003). Pesquisa realizada na 9ª Parada Gay do Rio corrobora com estes dados, já que 64,8% de uma amostra de 629 participantes revelou que já sofreu discriminação (CARRARA & RAMOS, 2005).
Para alguns estudiosos, a discriminação e o preconceito são sempre atitudes negativas e contextualizadas, locais e situadas, porém gozam de certa cumplicidade social e de certo eco em determinados grupos sociais (GÓMEZ, 2008). No entanto, a violência homofóbica pode ser “cordial” e estar velada nos diferentes meios laborais, familiares ou sociais. No caso da orientação sexual, pode variar da invisibilidade à visibilidade quando homossexuais se veem forçados a permanecer ocultos para não serem demitidos ou estigmatizados.
E importante ressaltar que as pessoas que se identificam dentro dessas diversidades não apenas sofrem discriminação e (ou) violência por esses aspectos, mas pelas outras categorias que representam. Assim, as lésbicas, por exemplo, estão mais sujeitas à violência simbólica do que os gays, uma vez que na constituição de seu status contabilizam-se a superposição de diferentes dominações simbólicas – num caso de maior superposição de dominações simbólicas estariam as lésbicas negras e pobres ou as trans-mulheres negras e pobres.
Existem outros fatores comportamentais, culturais e históricos que vulnerabilizam essas populações, como uma maior exposição ao vírus HIV e, consequentemente, ao desenvolvimento da Aids, afetando gravemente a população gays, bissexuais, travestis e transexuais, perpetuando oestereótipo/preconceito, bem como as desigualdades e a exclusão social dessas pessoas. É como no caso da violência de gênero em que os homens gays e bissexuais sofrem mais violência em espaços públicos, ao passo que as mulheres lésbicas e bissexuais vivem com maior frequência situações de violência em ambientes privados, sobretudo no ambiente familiar e de vizinhança (CARRARA, et al. 2006), em função de romperem com as atitudes e os comportamentos esperados deles dentro desses espaços.
Os autores da agressão – compreendidos por meio das teorias feministas e de gênero – são homens, jovens, heterossexuais, e parecem professar uma ideologia machista e patriarcal. Entretanto, faltam dados epidemiológicos suficientes que permitam tipificar ou construir o perfil do agressor, nas determinadas variações e expressões para cada segmento da população LGBT (MARTINS; FERNANDEZ; NASCIMENTO, 2010).
O ATENDIMENTO À POPULAÇÃO LGBT NA ATENÇÃO BÁSICA
A população LGBT tem o atendimento a seus direitos comprometido, inclusive o de conseguir acessar os serviços públicos de saúde. observa-se também que há necessidade de incluir o tema LGBT na formação dos profissionais de saúde, a fim de que possam ser desenvolvidas ações voltadas às especificidades dessa população.
Em estudo sobre a homossexualidade feminina, Valadão e Gomes (2011) concluem que não costuma haver apoio por parte de profissionais de saúde para lésbicas e mulheres bissexuais verbalizarem suas orientações sexuais quando conseguem atendimento. Isso faz com que haja exclusão e violência simbólica, apesar de os programas governamentais preconizarem o contrário. Segundo os autores mencionados, para que esse quadro mude não basta uma capacitação técnica desses profissionais. Tendo em conta que alguns agravos à saúde da população LGBT são determinados socialmente – em função das frequentes violências e violações de direitos a que estão expostas e em consequência das diferentes representações e significações construídas socialmente acerca das orientações e identidades sexuais (LIONÇO, 2009).
No campo da ação social, é fundamental a existência de um acolhimento diferenciado a esta população no sistema de saúde abrangente, fortalecendo a equidade em saúde. A atenção à saúde desse grupo deve considerar tanto os aspectos físicos quanto os psicológicos e sociais, incluindo políticas públicas de saúde que tenham por objetivo fundamental dar resposta às necessidades de bemestar da população, visando a ações de promoção, proteção e recuperação da saúde em nível individual e coletivo.
A saúde, vista como um direito, tem como função primordial abarcar a garantia dos direitos humanos da população LGBT, os quais já fazem parte do marco legal internacional.
O SUS (Sistema Único de Saúde) estabelece a saúde como um direito universal, sendo dever do Estado prover o acesso à saúde a todos os cidadãos e cidadãs, reconhecendo as desigualdades existentes no interior da sociedade e criando respostas para minimizá-las. Está entre as pautas reivindicatórias do movimento LGBT a criação de atendimento especializado às vítimas de discriminação por identidade de gênero e orientação sexual. Inserida no contexto da vigência do Programa Brasil sem Homofobia, lançado em 2004 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais foi lançada pelo Ministério da Saúde em 2008 (BRASIL, 2004). Também foi criado o Protocolo Clínico de Saúde Integral para Travestis (PCSIT), instituído no Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2010), e a Portaria GM n. 1.707 de 18 de agosto de 2008 para implementar o processo transexualizador no SUS (BRASIL, 2008).
Trata-se de um marco importante no reconhecimento das necessidades de saúde desses segmentos para além das questões referentes à epidemia de Aids, reconhecendo-se a complexidade e a diversidade dos problemas de saúde que os afetam.
Em 2016 foi aprovado o Decreto no 8.727, sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais.
Mesmo assim, persistem certos fatores que dificultam a atenção adequada à população LGBT e, mais especificamente, à comunidade transexual. Tendo em vista que estes ainda são considerados pelo DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) como portadores de um transtorno da identidade de gênero, há várias dificuldades para os que querem realizar uma cirurgia de mudança sexual.
É necessário reconhecer que transexuais e travestis vivenciam situações de extrema vulnerabilidade social, e que os agravos decorrentes em relação a seus corpos biológicos ou de nascimento se devem fundamentalmente à omissão ou restrição da ajuda médica atualmente possível em termos biotecnocientíficos. Isso não somente impede o acesso a um procedimento cirúrgico ou de redução de danos pelo uso de hormônios, como nega o acesso às condições necessárias para a livre expressão da personalidade (VENTURA, 2007). O desafio da construção de uma política de atenção integral à saúde dessa população, tal como prevê o programa Brasil sem Homofobia, do Governo Federal, implica a complexificação e o alargamento do que se compreende por direitos sexuais e reprodutivos para a efetiva promoção da equidade e universalidade do acesso aos bens e serviços (ARÁN; MURTA; LIONÇO, 2009).
Além da negociação dessas alterações das políticas de saúde baseadas na ação do feminismo, dos movimentos gays e lésbicas, há os movimentos de defesa de adolescentes e jovens, que também requerem uma intervenção na busca de maior liberdade para a expressão e da identidade de gênero e orientação sexual, ou numa direção inteiramente distinta das manifestações das novas ansiedades relacionadas ao que se configura como limites aceitáveis.
No âmbito da Atenção Básica o desafio está em mudar o paradigma de heteronormatividade vigente não só nesse nível de atenção dos serviços de saúde, mas nos demais, na forma como os serviços se organizam e no modo como seus profissionais atuam.
Compreender o quão é rígido o olhar sobre as questões de gênero pode contribuir para não perpetuar a violência e a discriminação contra essa população, garantindo os cuidados de saúde ao respeitar, proteger e garantir seus direitos.
Os princípios do SUS têm de ser postos em prática para detectar e responder às suas necessidades de maneira holística e abrangente. Isso implicaria fortes relações de rede entre as diferentes profissões, instituições, sistemas de saúde e outras agências responsáveis por responder às necessidades das pessoas em situação de violência de gênero.
Para ampliar seus conhecimentos sobre a questão da saúde da população LGBT, leia o artigo de CARDOSO, M. R.; FERRO, L. F. “Saúde e população LGBT: demandas e especificidades em questão”. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 32, n. 3, p. 552-563, 2011.
Veja a imagem a seguir que apresenta as recomendações gerais para a realização de um atendimento inclusivo.
RESUMO DA UNIDADE
Nesta unidade abordamos algumas formas de diversidade sexual dentro do marco de violência de gênero e população LGBT, primeiro definindo esta, depois passando a discutir e a dar um contexto geral do meio e das circunstâncias em que ocorrem as diferentes formas de violência e discriminação que essa comunidade sofre. Abordamos os avanços das políticas em saúde nessa área e fizemos uma reflexão sobre o que falta para haver uma atenção integral à população LGBT.