VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO
E PERSPECTIVA RELACIONAL DE GÊNERO

Conteúdos do curso






Violência de Gênero

  • Correntes teóricas
  • Construção social de sexo e gênero
  • Masculinidade e feminilidade e violência
  • Resumo da unidade



Gênero e Saúde no Contexto da Atenção ao Homem e Mulher

  • Violência de gênero e a mulher
  • Violência de gênero e o homem
  • Gênero e saúde - papel do profissional na atenção básica
  • Resumo da Unidade




Violência contra LGBT

  • População LGBT, vulnerabilidade e violência
  • O atendimento à população LGBT na atenção básica
  • Resumo da Unidade


UN1 - Compreensão da violência entre homens e mulheres



Ao final desta unidade você deverá ser capaz de analisar os diferentes conceitos sobre a violência e a perspectiva relacional de gênero.

CORRENTES TEÓRICAS

A violência de gênero se caracteriza por qualquer ato de agressão física, de relações sexuais forçadas e outras formas de coerção sexual, maus-tratos psicológicos e controle de comportamento que resulte em danos físicos ou emocionais, perpetrado com abuso de poder de uma pessoa contra a outra, em uma relação marcada pela desigualdade e pela assimetria entre gêneros. Pode acontecer nas relações íntimas entre parceiros, entre colegas de trabalho e em outros espaços da sociedade. Abrange a violência praticada por homens contra mulheres, por mulheres contra homens, entre homens e entre mulheres (BRASIL, 2005; ZUMA et al, 2009).

Portanto, a violência de gênero se refere às relações de poder e à diferença entre as características culturais atribuídas a cada um dos sexos e suas peculiaridades biológicas. No âmbito das relações de intimidade entre ambos os sexos, ou entre parceiros do mesmo sexo, as mulheres têm sido as mais vitimizadas, particularmente nas sociedades em que as desigualdades entre homens e mulheres são mais marcantes. Ou seja, a violência contra as mulheres é grave, a ponto de muitas precisarem procurar os serviços de saúde por conta das agressões, apesar de os homens também sofrerem violências de todos os tipos.

Nem sempre a violência de gênero é visível no âmbito das pessoas que se encontram em risco de sofrê-la. Muitas vezes ocorre a dominação ou exclusão social por vias simbólicas nas relações homens mulheres, entre homens e entre mulheres. Assim, as pessoas muitas vezes não reconhecem a violência em determinados atos, pelo fato de estes não serem compreendidos como violentos, mas que em níveis mais sutis estão acompanhados dela.

As pessoas muitas vezes não reconhecem a violência em determinados atos, pelo fato de estes não serem compreendidos como violentos, mas que em níveis mais sutis estão acompanhados dela.

Nas relações de gênero, além da violência física ocorre a violência simbólica.

Os estudos sobre violência de gênero tradicionalmente se voltam mais à violência contra a mulher, pela magnitude desse evento em todo o mundo. O uso da categoria gênero vem oferecendo a esses estudos uma importante base para se discutir esse fenômeno social. Algumas correntes teóricas, embora partindo de diferentes enfoques, têm sido utilizadas para abordar a questão de gênero. Dentre elas encontram-se as denominadas: dominação masculina; dominação patriarcal; relacional.

De acordo Santos e Izumino (2005), a primeira corrente, identificada como dominação masculina, define violência contra as mulheres como expressão de dominação da mulher pelo homem, levando à anulação da autonomia da mulher, concebida tanto como “vítima” quanto como “cúmplice” dessa dominação. Tal cumplicidade não estaria relacionada a uma escolha ou vontade, mas à própria destituição da autonomia da mulher. Essa teoria entende que as diferenças entre o feminino e o masculino são transformadas em desigualdades hierárquicas por meio de discursos machistas sobre a mulher, os quais são proferidos tanto por homens quanto por mulheres. Tais discursos definem a feminilidade tomando por base a capacidade da mulher de reproduzir. Assim, elas são definidas como seres “para os outros”, em vez de “com os outros”; ou seja, são seres dependentes.

De acordo Santos e Izumino (2005), a primeira corrente, identificada como dominação masculina, define violência contra as mulheres como expressão de dominação da mulher pelo homem, levando à anulação da autonomia da mulher, concebida tanto como “vítima” quanto como “cúmplice” dessa dominação. Tal cumplicidade não estaria relacionada a uma escolha ou vontade, mas à própria destituição da autonomia da mulher. Essa teoria entende que as diferenças entre o feminino e o masculino são transformadas em desigualdades hierárquicas por meio de discursos machistas sobre a mulher, os quais são proferidos tanto por homens quanto por mulheres. Tais discursos definem a feminilidade tomando por base a capacidade da mulher de reproduzir. Assim, elas são definidas como seres “para os outros”, em vez de “com os outros”; ou seja, são seres dependentes.

A segunda teoria refere-se à dominação patriarcal e compreende a violência como expressão do patriarcado, em que a mulher é vista como sujeito social autônomo, embora seja historicamente vítima do controle social masculino. Nessa perspectiva as mulheres não são “cúmplices” da violência, são apenas “vítimas”. A terceira corrente teórica identificada nos estudos sobre violência contra a mulher é a relacional, que relativiza as noções de dominação masculina e vitimização feminina, entendendo violência como uma forma de comunicação e um jogo no qual a mulher protagoniza cenas de violência conjugal e se representa como “vítima” e “não sujeito” quando denuncia, porque assim obtém proteção e prazer.

CONSTRUÇÃO SOCIAL DE SEXO E GÊNERO

Com base na compreensão de que a violência se dá no âmbito das relações, o que é visto culturalmente como masculino só faz sentido a partir do feminino e vice-versa. Os padrões de masculinidade e feminilidade fazem com que as identidades de homem e mulher se afirmem na medida em que ocorrem aproximações e afastamentos em relação ao padrão que concentra maior poder na cultura. Cada um dos dois gêneros é construído como corpo socialmente diferenciado do sexo oposto, o que faz a divisão entre os sexos parecer natural e configurar os esquemas de percepção, de pensamento e de ação (BOURDIEU, 2010).

O gênero se constrói culturalmente e influencia na forma de ser homem ou de ser mulher em cada sociedade.

Assim, para ampliar a compreensão desses padrões é importante pensar que não basta que as mulheres concordem de modo geral com os homens, mas que considerem a representação de um conjunto de homens e de mulheres, ou seja, de esquemas de percepção e avaliação universalmente partilhados com o grupo em questão. Dessa forma, a lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina só pode existir pelos efeitos duradouros que a ordem social exerce sobre as mulheres e os homens; a dominação masculina não depende das representações individuais, mas das representações sociais entedidas por cada indivíduo.

Para refletir sobre a questão da violência no contexto de gênero, sugerimos “a dimensão simbólica da violência de gênero: uma discussão introdutória” de Romeu Gomes.

Enquanto as mulheres estão aprisionadas às formas de submissão, é possível dizer que os homens se encontram enclausurados nas formas de dominação. Dominação e submissão são noções notavelmente relacionais, de homens para com outros homens, de mulheres para com outras mulheres, e de homens para com as mulheres.

O machismo não pode ser atribuído exclusivamente aos homens, mas igualmente às mulheres, ou seja, homens e mulheres acabam sendo produtos de uma sociedade machista e até mesmo sexista (VINHAS, 2011).

MASCULINIDADE E FEMINILIDADE E VIOLÊNCIA

Nesta seção vamos refletir sobre algumas maneiras de viver a masculinidade e suas relações com a cultura de violência. Entende-se que a masculinidade, situada no âmbito do gênero, representa um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera de um homem em uma determinada cultura.

Em várias sociedades, no quesito socialização dos homens, a aquisição de atributos masculinos comumente se caracteriza por processos violentos. Os meninos costumam ser educados de modo que reafirmem sua masculinidade em espaços considerados masculinos, como pátios de escolas, clubes esportivos, bares, presídios, dentre outros. Isso nos leva a considerar que a violência assume um papel fundante da própria masculinidade.

Assista ao vídeo “Minha vida de João”, produzido por Promundo, PaPaI, ECoS e Salud y Género. Trata-se de uma animação na qual é contada a história de João, um garoto que, como tantos outros, vive em uma sociedade machista, pautada por padrões rígidos de gênero. O vídeo está dividido em três partes. Acesse os vídeos clicando nas imagens abaixo.

Minayo (2005) comenta que a noção do masculino como sujeito da sexualidade e o feminino como seu objeto é um valor de longa duração da cultura ocidental. Quando olhamos as formas de expressão da violência no Brasil, podemos pensar a relação próxima entre masculinidade e violência como consequência de uma sociedade cujo patriarcalismo está profundamente enraizado e na qual a concepção de masculinidade equipara-se ao lugar da ação, da decisão e da posição naturalizada de agente do poder da violência, do comando das guerras e das conquistas.

Neste sentido, constata-se que os homens representam um papel relevante na violência brasileira, como pessoas em situação de risco de sofrer violência e como os principais autores de agressões. no entanto, a despeito dessa relevante associação entre masculinidade e violência, não se conclui que ser homem é ser violento, pois outros modelos de masculinidade coexistem com os mais tradicionais. Além disso, é fundamental considerar as singularidades de cada um, bem como os contextos etários, socioeconômicos, de raça e etnia.

Na construção dos padrões de masculinidade da sociedade brasileira, predominam nos discursos dos homens as referências tradicionais do que é ser um homem - sinônimo de agressividade e de descontrole sexual -, o que acaba por produzir esquemas de comportamentos.

Ao verificar formas hegemônicas de masculinidade, como a dominação, a força e a virilidade, que se estabelecem nas relações homens-homens, mulheres-mulheres e homensmulheres, deve-se considerar que há formas explícitas, como a violência física, e outras mais invisíveis, como a violência simbólica, entre outras violações de direitos nas relações entre gêneros. Neste cenário também se considera a violência contra os homens, praticada por mulheres e por outros homens, além daquela que aprisiona os homens na própria concepção de masculinidade e virilidade.

Como ensina Bourdieu (1999, p.67), “a virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de medo do feminino, e construída, primeiramente, dentro si mesmo”.

Gomes (2008) e Schraiber et al (2005) têm chamado a atenção para a necessidade de ampliar os conhecimentos e as práticas da saúde coletiva no que diz respeito às perspectivas de gênero, em que o homem deve ser incluído.

Essa necessidade também é apontada pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que considera a violência como tema importante no atendimento integral ao homem. A violência, como uma forma social de poder, é uma estratégia de empoderamento masculino, mas com ônus para os homens autores de violência, os quais adotam práticas que geram graves danos à saúde física, psíquica e social para eles e para os outros.

A integralidade na atenção à saúde do homem implica uma visão sistêmica sobre o processo da violência, indo além de seu papel de agressor, considerando os fatores que facilitam que o homem cometa violência, a fim de intervir preventivamente sobre as suas causas, e não apenas em sua reparação (BRASIL, 2008).


Nesta primeira unidade ampliamos nossos conhecimentos sobre as questões de gênero envolvidas na violência na vida adulta. Estudamos os conceitos de gênero e as principais correntes teóricas sobre o tema. Também lemos sobre a importância de analisar as situações de violência sob a ótica das questões de gênero, e finalizamos esta unidade observando alguns aspectos que indicam a importância de pensarmos as questões de gênero na Atenção Básica.